sexta-feira, dezembro 11, 2009

véus e mélica

para fabricia nos 10 anos


neve, vendo, e ouvir –
à borda de rios, teus,
fremem de si, durando –
os passos já de pétalas,
sorriso por dizer, em eco;
assim, promessa de mais
dias duplicados, de peles,
de músculos, seus ossos –
a voz ressalta, remove-me
de cá, alhures, em calor
e calar tuas flores, todas –
sombras de nácar, nuvem
de mais olhos, teus,
que aguardo, na demora
habitado, de morada –
silêncio macerado, silvo,
em que me exilo, deixando –
retorno, em palavra,
aquém de pássaros, teus,
toda areia, tua, no começo,
prévia de ausências, branco,
de todo vento, sem-tempo,
na vida como resposta –
abandono de palmeira,
sulco que é nome, espanto,
inclino-te, corpo, aos restos
do dia, em que me habito –
tintas folhas na aurora.

sábado, novembro 14, 2009

νεκυομαντήιον

πέμψαντι γάρ οἱ ἐς θεσπρωτοὺς ἐπ᾽ Ἀχέροντα ποταμὸν ἀγγέλους ἐπὶ τὸ νεκυομαντήιον
[ele enviou mensageiros à terra dos tesprotos, no rio aqueronte ao oráculo dos mortos]



ausência essa de ar,
figuras negras sob
o portão tricolunado,
imolando as faces
à cor gris rasurada,
azulejos de pedra.

o solstício pervaga,
câmara alva, rastro,
calando-se às escusas
de deméter a mãe
do som, pérfido, foz:
fuligens de corpos.

a donzela, deixada
à não-visiva visão
de Ἅδης, abandonados
os pés à fonte caiada;
torres de éfira, aliança
sub-limo, abaixo.

terça-feira, novembro 03, 2009

nênia para lévi-strauss



trópicos de ocas – o som oco do
negro, da sombra suspeita – riste
ethos de marcas – corpo de índio –
o andar de âmbares, nadar de
mitos: cosmografia de harmonia,
olhos de cru, de nódoas bororos –
corados sangradouros – o sonho
do sozinho, calar de expedição,
invento da carne, intento de tato.

incerto o pai, o filho decai em raça,
em flechas de pensar a selva oscura:
o tempo borraça, moçar de provença –
tristes moradas, borrados de signos
ágrafos, objetos de homem.

quarta-feira, outubro 21, 2009

esmirna/izmir


pérola de azul, a voz de heródoto
doa um canto fausto – cegas pernas
de homero – brilho leste, da mãe
de estreitos aos traços deixados
em relva, em runas os ramos do
pórfiro do talude – castelo veludo
do αιγαίο πέλαγος: pedra púrpura.

âmbar



voz de fruto, a luz converte
o rastro, calado, do tempo –
de toda fronte deflagra a
noite de arcos, deslizando-se –
de perfume, resta, silente
a morada: caminho, ainda.

quarta-feira, outubro 07, 2009

i(n)con(nue)


adormece a legenda,
alvos nardos, poços
deitados:

e canta assim o
espelho da lágrima,
doada, por trás da
cena;

a marca da tarde,
feita de ponteiros,
converte-se em seda,
a flora de memória
e escrutínio;

esvai-se pelos seios
a dama de copas,
forma de carne,
morada de entrâncias,
enquanto a nuca, simples,
aguarda.

i(n)con(nue)


pétala desabrocha,
sob o véu, sob o
tecido nu do corpo
e dos olhos, abaixo.

em sépia, toda dês-
conhecida ao tempo,
ampulheta de pernas,
às areias deixadas:

assim, some-se prévia
à festa, à fera, lançando
trilha e tear, de linhos
e madeiras; vesperal.

segunda-feira, outubro 05, 2009

homeros diversos, do braço à letra


Ὅμηρος:

οἵη περ φύλλων γενεὴ τοίη δὲ καὶ ἀνδρῶν.
φύλλα τὰ μέν τ᾽ ἄνεμος χαμάδις χέει, ἄλλα δέ θ᾽ ὕλη
τηλεθόωσα φύει, ἔαρος δ᾽ ἐπιγίγνεται ὥρη:
ὣς ἀνδρῶν γενεὴ ἣ μὲν φύει ἣ δ᾽ ἀπολήγει.

Odorico Mendes:

Como as folhas somos;
Que umas o vento as leva emurchecidas,
Outras brotam vernais e as cria a selva:
Tal nasce e tal acaba a gente humana.

Haroldo de Campos:

Símile à das folhas,
a geração dos homens: o vento faz cair
as folhas sobre a terra. Verdecendo, a selva
enfolha outras mais, vinda a primavera. Assim,
a linhagem dos homens: nascem e perecem.

Frederico Lourenço:

Assim como a linhagem das folhas, assim é a dos homens.
Às folhas, atira-as o vento ao chão; mas a floresta no seu viço
Faz nascer outras, quando sobrevem a estação da primavera:
Assim nasce uma geração de homens; e outra deixa de existir.

Carlos Alberto Nunes:

As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores,
que, umas, os ventos atiram no solo, sem vida; outras, brotam
na primavera, de novo, por toda a floresta viçosa.
Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira.

George Chapman:

When like the races of leaves
The race of man is, that deserves no question, nor receives
My being any other breath. The wind in autumn strows
The earth with old leaves, then the spring the woods with new endows,
And so death scatters men on earth, so life puts out again
Man’s heavy issue.

Samuel Butler:

Men come and go as leaves year by year upon the trees. Those of autumn the wind sheds upon the ground, but when spring returns the forest buds forth with fresh vines. Even so is it with the generations of mankind, the new spring up as the old are passing away.

Stanley Lombardo:

Human generations are like leaves in their seasons.
The wind blows them to the ground, but the tree
Sprouts new ones when spring comes again.
Men too. Their generations come and go.

Robert Fagles:

Like the generations of leaves, the lives of mortal men.
Now the wind scatters the old leaves across the earth,
now the living timber bursts with the new buds
and spring comes round again. And so with men:
as one generation comes to life, another dies away.

Hugues Salel:

Le Genre humain eſt fragile, & Muable
Comme la Fueille, & auſſi peu durable.
Car tout ainſi qu’on voit les Branches vertes,
Sur le Printemps, de fueilles bien couvertes,
Qui par les ventz d’Autumne & la Froidure,
Tumbent de l’Arbre, & perdent leur verdure,
Puis derechef, la Gelée paſſée,
Il en revient en la place laiſſée :
Ne plus ne moins eſt du lignaige humain :
Tel eſt huy vis, qui ſera mort demain.
S’il en meurt ung, ung aultre vient à naiſtre :
Voila comment ſe conſerve leur eſtre.

Leconte de Lisle:

La génération des hommes est semblable à celle des feuilles. Le vent répand les feuilles sur la terre, et la forêt germe et en produit de nouvelles, et le temps du printemps arrive. C'est ainsi que la génération des hommes naît et s'éteint.

Paul Mazon:

Comme naissent les feuilles, ainsi font les hommes. Les feuille, tour à tour, c’est le vent qui les épand sur le sol, et la forêt verdoyante qui les fait naître, quand se lèvent les jours du printemps. Ainsi les hommes: une generation naît à l’instant même où une autre s’efface.

Minhas tentativas:

como ao clã de folhas, assim é o de homens.
folhas que ao solo o vento entorna, outra árvore
novas as faz florir, irrompe a primavera, ateando ver:
clã de homens irrompe e desarvora, lado a lado.

ou

como à linha de folhas, assim é a de homens.
folhas que ao solo o vento entorna, outro caule
novas as faz florir, a primavera, visto tecido:
lado a lado, linhas de homens tecem-se e desfolham.



Homero em versão samba,
Nelson Cavaquinho:

Quando eu piso em folhas secas,
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha estação primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
A luz do sol me queimando
E assim vou me acabando.
Quando o tempo avisar
Que eu não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudade
Ao lado do meu violão
E da minha mocidade.

domingo, outubro 04, 2009

nênia para mercedes sosa

todas las voces, todas
todas las manos, todas
toda la sangre puede
ser canción en el viento.


tâmara e cigarras, entre
pavilhões de terra e amar
de gente: mar deixado a
voz, cantante, repleta.

vento deixando-se, abre-se
mais uma das estações
de folhas, de homens:
rompendo o cais, o porto;

quando se tem solo às mãos,
deixando-se os olhos ao som,
soslaio de mercês de ouvir-te,
de todo canto. pele deixovoz.

segunda-feira, setembro 28, 2009

memorabilia


diz-se, canto de ave:

os rastros solevam
o alfabeto, nas malhas;

mastros içados e matilhas
de rios, coroando;

móveis deixados, à cerca
do passado, bolores;

um intervalo, lúdico,
à morada de aleto;

esquecendo-se, o grafite
é lançado, de dentro;

ainda o silente, murmúrio
de ave, de lento lépido.

para ian


ainda, espero o tempo:
muito do que ali estava,
modulando o vento –

espero, pensando o não-
visto, nenhures de alegria,
conversas encortadas, sãs –

estanques, devastando,
os cílios do passado ainda
cordam como lampejo,
deslimite.

sábado, setembro 26, 2009

maria flor, do padrinho.

(foto de kleber fernandes, o avô-fotógrafo)
passos nesses olhos,
livres de todo choro:
assim, a fronte, de
sua história, ainda.

ao que guardas, o
tecido de borboletas,
a cor de moradas
distantes e amoras.

esperas, esse olhar,
das respostas uma
flor de pérola e botões
de frutas: demora

e habita a torre de caval-
eiros, pórticos de primavera
e açus lumes, ainda que
percebe, sente o porvir.

segunda-feira, setembro 14, 2009

“hung ‘twixt her, and mee”

para fabrícia, para variar.


ostra o caminho, fixado,
de si: convertem as noites
diletas – olivais e rés –
formigando-se, despida
de zelo, pendida.

assim, o tempo, rastro
iniludível de estelas
e mais pedras – convertendo-se
diâmetro a diástole –
ainda o caule cala.

sustêm consigo silvos
de móveis e violetas,
arde a cama, contos
da morada – órganon –
o tempo escoa, pó-areia.

libertas as letras ez-
vaziando-se: irmãs
entre pedra e pedra-ferro
aos seios feros de
hálito, gosto e sal.

sexta-feira, setembro 11, 2009

“a spear of summer grass”


fumo contra a janela
luz deixada e aparecida
formando essas árvores
e ares e fontes
saúdam o orgulho
o sentido saindo de sol
e sons assim os olhos
remanescentes
a língua muda furta-cor
fuligem e folia fragrante
apenas a graça da fuga
deixada à tecla
da haste suspensa
pelo calor e convulsão
ás protegido do verde
contorcem-se em zelo
foices e face
a figura escura deitada
sobre a lâmina
de hálito da partida
infante
corada

quinta-feira, setembro 10, 2009

φανερός


estaca assim teus olhos
sob o mar de areia –
colunas de madeixa:

teus olhos defronte, ao
longo do fantasma,
parecem conluios

de lontras e seixos
repartidos e molduras,
de ossos, rastros e envios.

neste carvalho, a noite
brinda, vítrea, e correndo
nos sonhos, da espera,

os sorrisos submergem
ainda como espantos
na curva do tempo:

outonos. o presente
e os tons outorgados
sugerem a visão de ti.

quarta-feira, setembro 09, 2009

leviatã (a partir de olímpia)

"assinalo como tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a vida"
(thomas hobbes)

longe, longo, tomam-se
formas do mar e leve
monturos e movências
na camada cáustica do
fundo: jó sustém o diálogo,
e suas cinzas, sinais, soam
desditos, perpetuando.

entre o bronze e o macerado,
a tez se consome em pó
de nuvem e nucas, nuas
viragens e vultos silentes
em podar bestas, poder
errático. irreais os mantos,
areais de censura, cada
espelho, consola-se à
volta consigo, de ossos:
ainda desejo,
abismo.

quarta-feira, setembro 02, 2009

ossos do sudão



vela o susto, ossos
e caça, à matéria
calada de tez e
tintura: solfejam,
ainda, grito e alarde,
ao que dá fuga,
de sul a sul, viragem.

morrem também, crispados
de silêncio, vozes de
crias, como que deixados,
ao abutre, aos vestígios
apenas do sol – dobras
reboam e há o som;
de pena de pássaro.

um sorriso ósseo
espira a carne, líquido
breu, peplos celestes,
e ainda tombam
vestes e damas,
sorrindo, maceradas,
de dentes.

sexta-feira, agosto 28, 2009

epitáfio ao ateliê


eis que há o transitório
– sustos e cintilações –
há o devaneio do instante,
consagrado.

quarta-feira, agosto 26, 2009

notre amour, récemment et après

à fabricia, ma p'tite


bras et yeux, souriants
des fleurs: danseuse
de la lune, des rêves.

un caillou sur l’herbe,
habillé de tempête:
ton sourire au chemin –

près du vent, folle et
trop aimée, blanche,
vibre, ta voix, ton goût –

un gris ne serait point
dans notre ombre, dans
les étoiles aussi brunes
de tes miroirs et visage.

j’attends, un tour du dire,
un mot de chanson
tourne rond: depuis mon
jour à toi, j’espère et vois
ta mer dernière – un
langage – on reste,
presque.




le tien

domingo, agosto 23, 2009

leveza 3


às costas, deixam-se
os metais e matéria:
asa e linhas, aquém
do leito, os braços
moldados.

suspensos, suspiro,
pássaros de ocre
e cinza e pastel:
manto recoberto,
o oposto.

entr’acte – clair –

presença de lázaro,
o assombro de
sono e treva: tempo
e tempestade ainda,
ária de gorjeios.

o homem, quase asas,
noturna o silêncio,
torna a ver à volta
um sorriso de penas:
conluio livre.

sexta-feira, agosto 21, 2009

fim do ateliê


hoje, não ontem,
hoje, não depois,
hoje marca o fim
todo o jogo, de si,
abandono - ao raro
sensível do tempo -
da conversa mais
í n t i m a:

apenas um suspiro,
plural lamento,
em que continuo
o elogio a todos
um brinde -
recife, solidão, estrela

segunda-feira, agosto 10, 2009

a leitora de théodore roussel


ler o leite da pele
pela ranhura da
página porosa
lenta a tez da carne
rasa e distendida
sobre a cadeira
nua de si rara
de nuncas diz
tensões sôfregas
silente manhã
de agora essas
sedas deixadas
os pés cruzam
o pó azul o livro
à pele.

sonho incrédulo


em labirinto de fátima,
fado e traço, ménades
do pináculo lançadas,
soletram grunidos mis-
terio-
ossos
à margem de tudo: os
olhos da virgem ainda
senescentes à procura,
pombas e maresias,
tudo fogo e vermelho;
tudo pétala carmim.
velas sobreacesas,
centímetros a metros,
todo rosto julgado,
queimando meus assobios,
transmutação, sobre
a mula na entrada
do templo: sangue jor-
rado – pelo excesso –
o fora de lugar, essa
ausência maciça de
nada e pluma, plúmbeo
olhar de dor. as
crianças ainda, fora do
fora, rememoram,
despidas de seu véu,
desajeitadas de suas
mangas; às covas torno,
revolto a cegueira álacre,
póstera carta em que
as letras calham
noturnos de sóis
que a pele tosta.

sexta-feira, agosto 07, 2009

mais (novo) um blog


convido-os a participarem também
do blog poesia pensamento psicanálise.
diferente do apáneuthe neôn,
este será construído com reflexos teoréticos -
acerca dos temas que marcam seu título.
clique abaixo para acesso:


quarta-feira, agosto 05, 2009

earwig/earwicker (para fw)

(estive escrevendo um ensaio sobre o problema do nome em finnegans wake que me consumiu todo o tempo hábil das demais escritas; vou agora, aos poucos retornando ao ritmo, desfazendo-me das trevas sobre os olhos, ainda insone)
desfias o novelo dia,
insone, moroso, às
voltas desse incesto,
a mais que a lua, réu
e véu de seu nome:
vau em que flui, o rio,
metade outono, ao
meio de flor – ainda
persabe sua hora
morta de rabiscos,
rasura corrompida
da mulher diáfano-
obscura – de seus
recachos vês a sépia,
por asas do besouro
que é já o retorno
do filho, transtorno –
e, isso agora, no nome
da alegria.

domingo, julho 19, 2009

sexta-feira, julho 17, 2009

três pares de sapatos (evgen bavcar, rené de magritte, vincent van gogh)

(não consegui escanear a fabulosa foto re-leitura de evgen bavcar sobre os sapatos de van gogh; quem tiver interesse em vê-la, está na revista Humanidades, n. 49, janeiro de 2003)


escondem-se de coisa a coisa
escondida em terra e areia mareada
perscruto à lápis e cera o canto
sereno desses ventos, o mundo,
à margem do medo, vocifero,
os pés ausentes, mas os dedos
já lá, imperando: foice partida
da história, deixa o arado
e aguarda a obra da lavoura.

espera, essa língua mortualha,
freme a baforada, enquanto chove,
os telhados recém-molhados,
a memória de um ódio antigo –
aguardando sempre a circuncisão
dos dias, das horas na tábua –
enquanto não vejo, a coisa ser-
penteia os oráculos – uma píton
sorri, gracejo – e nisso sobre-
impõe-se o suspiro do doce,
manjericão e pimenta, noturnos
de outro sonho: lume lucífero,
espero, desvelando, esse rio
mais antigo que o fogo, mais
além dos orifícios.

sexta-feira, julho 10, 2009

ária do silêncio

sussurrar pode ser um descanso
do rumoroso mundo das palavras
(peter greenaway)


escrito, à língua,
míngua estalos:
rumor de água –
matéria enevoada,
palavra no vácuo,
de tempo, demora,
morada tênue e pó.

dia recontado,
à luz límpida,
tecido armado,
pêlos inermes, gris,
a língua entrecala,
repousa calma
cerejeira – pincel

tinta e óleo douram
o corpo sob a rama,
macerado de jasmim
e nada.

quarta-feira, julho 08, 2009

fons erat inlimis

uisae correptus imagine formae
spem sine corpore amat, corpus putat esse, quod umbra est
(Ovídio)


fonte sem névoa,
limo às margens
do cais: outro tempo,
à distância e ao
silêncio murado;
cantam ainda as
miríades e bacas
de pernas e bocas
famintas. foz sem
limo, fonte sem
água: a terra em
freios, às mãos
talhada, um branco
de amarelos ao
hades recomposto
em rosto e resto.

segunda-feira, julho 06, 2009

luto e melancolia (a partir de freud, munch e uma foto)


doar, enseada,
esse desejo:
infenso choro,
ausente a si.

gracejo, iabá,
de morangas,
melodias do si,
a flor explode
amarela sob
o peito, dedos.

insone, golfos,
inversos ao
lamento, elege:
água e terra, à
dança de era
e realidade trans-
tornada – a língua,
cálamo e cera,

macera folhas
e dentes deixados
aos linhos e tez
dos olhos rebrilha-
antes. cala, vapor.
reforça, dada à
vela, ambos valente
à mor, síncope
de ramos e moscas,
ainda um respiro.

quinta-feira, julho 02, 2009

pada (após mirabai)

mira diz hari traz-me de
volta a tua beleza sem
te ver eu não consigo ver

(mirabai)



colar de frontes as vésperas
do canto rouxinol avesso
obscura à tez de cítara
e vermelhos mãos tensas
exilam e exalam teu dorso
dourado teus olhos manchados
de cura e portas refúgio prostrado
tapetes à terra doada
os céus do nome calam
cálamos e piras teus cabelos
a flama inscrita à vista

quarta-feira, julho 01, 2009

satori (b)

preto preto
sombra e sol fenecendo
o tempo entre o ser,
o fim e o feno: brando
soluço vazio, a escrita
sob o fruto, enérgica
leveza sobre as pedras –
traços do solo.

satori (a)


branco branco
luz e lua amortecendo
o espaço entre o tecido,
o ente e o amor: fúria
ao espasmo, a escrita
sobre a ponte, estático
silêncio do sob –
rastro de água.

terça-feira, junho 30, 2009

ave, linguagem

“o idioma é a única porta para o infinito,
mas infelizmente está oculto sob montanhas de cinza”
(joão guimarães rosa)

o nome habita as margens
como a palavra, seca, se
molha em molhos de flor
e uva caída nos panos
da renda escura de tempo –

minha língua, espelho
obscuro, martiriza os seixos
em cruz, fundamento e
abismo da memória, da
madeira do eixo, aos chifres

retorcidos de poeira e
caminho, odores das velas
inconclusas, em que a paixão
fez ato – do bagre andorinhando
seus assobios e arrulhos

despovoados: aqui o homem
solfeja, uma prece à virgem,
um soluço lutuoso, são benedito,
colhendo-se buriti, à semente,
abaixo do manto, arabesco,
as flores de trigo, da fala
que ainda é morada e demora,
gris dos picos, vindima
as portas – palavra vozerio
que cala, geme e oculta.

segunda-feira, junho 29, 2009

sinete


vibra espelho nítido e cego,
violenta mudez de timbre,
voz que flama a foz de água –
voltas sonolentas à forma:

evidência surda de abstrato,
sela a imagem e a memória
do oblíquo pesar de fruta,
sensível crosta, cuidado.

o turvo sinal modulando
o dia, erva buliça, barulha
o oco que ouço da coisa:
olvido grafado, da perda.

arkhé, presença


palavra, mar de traços,
prende-se agora ao inútil
pensar saliva de onde
a lua toda é ostra e pedra.

o mistério lúcido de corrente,
o rio apenas livre, de fato,
enquanto nasce esse gosto
de nada, a escrita.

escuro escuta esse instante
em que o tempo é olhar
e o álacre agre da cera
é possível de nunca, sendo.

inexiste solidão, essa manhã,
jogo de água e frescura de ar,
o próprio do silêncio calcado
no fosco, na fome de pulso.

sexta-feira, junho 26, 2009

nênia: this is it


vocês sabem que esse blog não se abre muito à prosa. muito à citação não-modificada. mas hoje haverá uma prosa, copiada e colada. o artigo do caetano sobre a morte de michael jackson. a afeição pela música popular me faz colocar esse texto aqui (e, em duplo sentido, me é caro! e, de fato, faz ver que não concordo mesmo com theodor w. adorno). logo abaixo também insiro uma nênia, essa minha, para o falecimento do pop ou de grande parte dele. seguem os textos:


O anjo e o demônio da indústria cultural
Por Caetano Veloso

A notícia da morte de Michael Jackson foi um grande abalo. Cheguei ao Teatro do Sesi de Porto Alegre e ao ser informado pensei imediatamente em meus filhos Zeca e Tom. Logo Daniel Jobim me veio à mente. Ele é conhecedor e devoto de Michael desde a infância. Moreno, meu filho mais velho, que é amigo de Daniel, também dedicou afeto intenso à figura desse gênio do nosso tempo. Mas são meus filhos menores que hoje se sentem mais atraídos por seu estilo.
Como todo mundo, acompanhei Michael desde que ele era pequeno. Como todo mundo, fiquei siderado pelo cantor e dançarino de "Off the Wall" e "Thriller". Como todo mundo, fiquei entre fascinado, enojado e apreensivo diante das transformações físicas por que ele passou. O que quer que tenha havido entre ele e aqueles meninos cujos pais o processaram, acho-o moralmente superior a esses pais.
Michael é o anjo e o demônio da indústria cultural. A serpente do seu paraíso e seu mártir purificador. Os talentos artísticos extraordinários frequentemente coincidem com vidas torturadas e enigmáticas. Michael era um desses talentos imensos. Dançando "Billie Jean" na festa da Motown ele foi sim tão grande quanto Fred Astaire: comentava o Travolta de Saturday Night Fever e o Bob Fosse do Pequeno Príncipe (este, uma influência fortíssima e evidente, que nunca vi mencionada). Vou entrar agora no palco pensando em Tom, Zeca, Moreno e Daniel - e, com um nó na garganta, no sentido da nossa atividade. Ele a representava em sua totalidade, fulgurantemente, tragicamente, divinamente.

____________

nênia: this is it

passo à lua, mais leve,
lá onde o nunca cresce,
lá onde a mistura já cai:
estranho odor da infância,
esse, ainda permanente,
de luvas e luzes, da pele
e dor – tida – acossada
e respirando, dança.

quarta-feira, junho 24, 2009

elegia (partindo de duíno)

(…) Vor dir
hat ers geliebt, denn, da du ihn trugst schon,
war es im Wasser gelöst, das den Keimendenleicht macht.
(Die Dritte Elegie, Rainer Maria Rilke)
[Antes de ti
ele o amou, pois quando o trazias, estava dissolvido
na água que torna mais leve a semente.]

torce ao vazio calmo
sob as águas, a vista
do castelo, sobre águas,
esse lugar grave, bosque
nacarado de lamento,
em que atravessas o som
duro da hora e do luto –
ferem os passos, a prumo,
do consolo das sementes,
ao caule impassível de flama.

arquejo, a sós, velho nauta,
serena cantata de outros
olhos, cinza ouvindo, às
margens, já nascido e
estampado o selo do canto.

o que à noite ri, brando
pesadelo, de mouriscas
visões, circu-

lares, o rosto álacre, pomo
infindo de vergéis

em rastro, deixado, de tempo

sexta-feira, junho 19, 2009

uma ária: evangelho e paixão segundo são mateus (em pasolini e bach)


“seht die geduld.” (j. s. bach)

“o cristo de pasolini é um estigma contra a alienação: alienação é a piedade, a complacência, a hipocrisia, o tabu sexual, o servilismo, todos comportamentos que caracterizam o homem subdesenvolvido, ou melhor, o homem colonizado” (glauber rocha)





e primeiro parte o ir de eiras,
ponte vasta aos deserto e pó,
condenados, o ouvido e olho,
freme ainda friúme de friso
à bizâncio tornada, tapando-se
a luz dos barcos e o tremor
do sol: colônia de abelha,
espada furiosa, fronte ainda
cálida – duo cuore – bárbaro
barrabás. hora de árias, hoje,
à tez corrompida em azul,
estria ou rastro: wenn ich
einmal soll scheiden...
silente, às vésperas dos
olhos velhos de maria, de-
compondo-se corpo e ouro,
enquanto ares renascem –
velozes frente à câmera,
clarobtusa: toma, por isso,
essa língua opaca, conver-
tida em melodia, reais
frutos. dutos todos doces
movem-se, arfando olhos
e óleos, lépidos, presto
paradoxo: tais selos.

quinta-feira, junho 18, 2009

pound

will people accept them?
(ie these songs).
as a timorous wench from a centaur
(or a centurion),
already they flee, howling in terror.

ezra pound

imago devastada
às canzoni de arnaut
em tuas mãos ideo-
gráficas
ainda soluçam
lampejos – ékdemos
da beleza.
risco tenso, e noite,
à sombra
de fênix, limpando
calcanhares,
por circum-
navegações
de teus olhos,
postos à luz
pálida, à meia-
terra, tombando-se
ao silêncio:
romã sob
árvore do
vazio.

kulchur

amara a letra
tomba ao herdeiro –
trono moldado
de pedra-torre –
posse daquilo
que contemplo,
habitando:
moleiro ante
pernas de rocin-
ante –
vórtice, teus.

terça-feira, junho 16, 2009

BLOOMSDAY


bloomsday (g): mesmo marilyn

o vento despeja
pélagos da ciranda –
cor-de-vinho-e-amarelo –
tange ainda uma foliegens

à cama relva hercúlea,
levanta piano a canção
de roupas ao cheiro de
marelimos e vacios.

douro os capelos fuzilados
de penélope sobranceira –
rescorrescorre a noite
escronescrita.

assim aos saltos de sim,
sinner faz, mesmo ainda,
barbiturva hora: entre
pés e silábios, pele cála-
mo.

segunda-feira, junho 15, 2009

bloomsday (f): n. 7 eccles street

entre rins e mim,
as falas doutro o-
dor, as cartas em
letras sobescritas,
dão-se os olhos à
lenta voragem da
errância, por folhas,
ainda devastadas,
οἶκος, reverberam
os silêncios de pele
e músculos: atrás
de um sim, as formas
daquela flor, desviada,
em nuvens e atos,
cobertos de carmim.

domingo, junho 14, 2009

bloomsday (e): ulysses / leopold bloom / james joyce / humphrey chimpden earwicker


umbigo elíseo ao liso si de ser.

lento vapor errante, à
boca, a voz varre o escrito.

já agora os tácteis sabores –
júbilo macerado, ékdemos.

homem, aqui verbete silabado,
cheiro de sons e falas noturnas,
eis ainda o corpo desfeito, sorvido.

bloomsday (d): anna livia plurabelle


evinhas polipanacquas tui lherias de gestapó aos milumjorromãs dalhures ejoybilos nos reverses de moites e diásporos à derribada de nubessência e nauvorada de sinsousinos mascanacarado de brialhos fiados em piossononolentes de cohibas caraíba poundemônios de trigres ça e zapata teu rioolorio velhacochi xingando-se às mararagens beijentes reviradas fallhem um sheiro já sem sal uma isolada ventura plurabillidades de não-na nanã límesculpida aos berruas à la grandville de uma foiexksàparte eça tua laminosa paularva pantepé afeita foligem de galosanãos cratilentos recubrentes font-o’conne ele ainda járrando ólheos dessolviventes riversersi o pensadelo linguifero pulurento antiverbal

bloomsday (c): nora barnacle


dessas-mãos-lentas-
pulverizam-se-os-dias-
dos-versos-dos-tempos-
do-sentido-avesso-tenso-
averno-reverso-da-ordem-
sentida-nos-olhos-inflados-
no-ponto-de-luz-e-cio-das-pét-
alas-dos-cravos-jorrados-em-sons-
em-amoras-deixadas-pela-vida-em-
poros-e-pêlos-de-nuvens-da-dublin-
escritural-de-provérbios-e-pesadelos-
a-cantar-nos-desertos-e-nós-da-américa-
bowling-blow-up-the-green-garden-the-amores.

bloomsday (b): molly bloom


enfeites à mão de seu sexo
antigo, às luvas delicadas,
velume de palavras, na noite
ou sonho.

feito isso, os membros
conversam, dáctilos de
açafrão e maluco chapeleiro,
dorme.

em fêmea foragem, ver-te
vertigem, pálpebra calada,
de branco ao rubro, miasmas
incônscios.

ferida de cios, voz entre
aindas e mais, dizendo
ao tecido, conversa de si –
o sono.

e freme a ida, errante
narrável, das heras de tempo,
do nácar de sílaba,
devaneia.

florescem em pedras, os olhos,
ouvidos: tendões submersos,
dias e noite, manto fugaz
de sejo.

entre fontes de verbos,
gemem as horas, em gilbratar
todo homem é ainda um
escrito.