quarta-feira, abril 29, 2009

decerto bayreuth deserto, em so(nho)


flutuam vagas em águas
vastos flancos de naus
faz das veias flamas
ventos soam sonham
aos ninhos ocos conluios
ruidosa máscara silente
rende-se aos olhos
repulsas escuras em peplos
sombrios inquietos
fantasma e a vida
esfera moldada fiel
já fecunda por trás
um só fardo um dom
de insônia extrema
confissão e todo
súbito todo instante
um só feixe um perigo
empreende o peso
de massustância
todo fogo improviso
forma e ordens
jaz consigo
língua falanges
águas perfídias
puro traço ausente
senão sentido
a voz de débil
refaz-se aspiro
isolam-se os véus
vacilante heresia
vocifera os limos
não os signos não
a fala débito mudo
poder e consolo
revolto a ninguém
os dardos nos olhos
transposto o amor
o devir pensado
por vir longínquo
da tez dos dedos
a boca entrecortada
palavra só língua
moroso-encanto
forja canto a canto
dia-a-dia de seu fundo
de um rígido som
blásfemo noturno
ao passo sobre-sonoro
passo de sonhos e paz
oscilam esgares
às mãos em exílio
expostos silêncios
turbilhonante a cal
de freios ao longo perder
do engano
do insone
agora
perdido

terça-feira, abril 28, 2009

leveza 2



os corpos estáticos
dançam.


mão repousada
sobre curvas.


leveza e tez,
tecido luminoso.


repouso,
como sem asas,

anúncio do
descontínuo

vislumbre
de sombras.

gabinete do dr. freud



ali, entre linhas persas,
estranhos bustos recobrem
o passado familiar: mal
dos sonhos, dizer de idos.

deita-se, clínico olhar
de fênix ou pássaro que
se leia de enquanto horrores
o ventre fêmeo deslinda-se.

cabeças reclinadas nessa
coleção de pó ante areia,
o livro persabe o audível
nefando: conluios de luas.

júbilos, de outro tempo,
inibem os dedos, uma falta
e à flama da fala esvai-se
em um mosaico de pétalas.

segunda-feira, abril 27, 2009

pássaros nus, dos olhos de bavcar


ao não ver às mãos
recuam e coam pás-
saros entre abetos
e tinta branca em
um ocaso nevoado
t a c t e a n d o

ao ver às veias
volumosas entranhas
do púbis de pêlos
os seios redondos
sobrevoam as faces
e v g e n b a v c a r

ao não ver o visto
da face oculta na tela
a luz de um só dia
em pomba e deidade
anseia a espera de
uma noite carmim.

sebastião em san vicente nautec


em nautec os olhos
perparam através de
muro pomba divino

em nautec aguardam
pão foz e esperanças
ainda sobre o chapéu

distantes em nautec
santos e pedras desdém
moroso do dia de mortos

um ti, à brassaï


dorme contorno despido
linha vertical
já de sombras
grises fôrmas
anseio da espera
– vesperal –
anúncio dolente
herético pesar
de plumas
lembra, vívido,
teu corpo dobrando-se
aos sonhos de outra manhã
nos tempos

dorme contorno desnudo
linha horizontal
já de clarões
alvas formas
concretas demandas
– sazonal –
ação célere
sagrado pesar
de chumbos
é, vívida,
um corpo estendendo-se
aos dias de outro sonho
em finitude.

catacumbas de nadar


ossos ocos
oleiam auroras

tudo ao tempo
tenro passa

à sépia senescente
súlfur e odores

ossos outros
olaria de palavras

arma(dura) de andrè kertèsz


compõe-se à nu
o alarido de teclas,
forma e ferragem,
regra a realidade
dessas mãos, nuas:
montadas ao ledo
ensaio de sombras,
às forjas do olho.

olho de brassaï


noite, negra branca gris,
aos olhos, fremem gotas
de um já conhecido jardim,
as folhas todas enevoadas,
pigalle e as esquinas ulham:
descem às casas os seios
obscuros da cidade silente.

caminho de heidegger (1)



a meio passo da palavra
dor ventre pálida essência
em um caminho só névoa
consomem-se suspiros
sonho ante sonho câmara
v a z i a
solfejo ao tempo nu
sendo medo entre os corpos
mortos postados de silêncio
ainda as palavras tecem
alquebradas de naquim
aos olhos fervilhando
crepúsculo inpensado
ao olho perfaz o odor
m a ç ã
falta a imagem que sem
nadeia a coisa oca

da rasura e corpo


corpo saltando as formas de seu jardim
em ombros de casas, de telhas e calhas,
convergem, assim, sem um hálito alheio,
as cores de tâmaras e folhas de erva doce.

compete, no entanto, às vozes de ali
cantar um só canto – esse mesmo amor
e guerra mascarada – aos homens todos
revoltos e nostálgicos, conducentes e febris.

desnuda pois o seu desenho; em que desdenha
os prazeres de estar – lápis-lazúli e cedros –
entre corpos e pérolas, entre jamins de ela
e fortaleza de arcos. a vida toda que poderia,
vida essa que só almeja, à dança de cabelos,
vestimenta de outro, vertendo-se às folhas
delicadas, de olhos, na cor do tempo, na pele
ocre e café. ainda cala, o silêncio talha a pedra.

sábado, abril 25, 2009

zigurate



pedra ante pedra,
o marrom, dos olhos,
barro que relembra
as crias, fornalha
de inanna, fértil foz
em rios de pó e festejo,
conduz-nos às beiras,
ao caos em que mais
tábuas de cunha
ao que nos inscreve,
ainda sobre os cedros
e sob ares dos celestes:
trigo, batalha e agonia,
tripla escala, esfinge
derruída.

sexta-feira, abril 24, 2009

sijô noturno (à maneira de yi sáng)


si len te às mo ra das de ver me lho ou to nal ° as par cas so bre vo am os tem pos ne ves e to a das ° o e xí lio ar de em gol fos e ma res em bar ca dos ° es pe lham- me por is so as fron tes de ou tro tem po in ver so ° de coi sas ou tras re a li da des pó aos pés ° em que se ca va o du ro tra ba lho do dia fron do so ° tor res vi á veis mou ris cas e pa go des ain da no tur nas ° fer men ta das as vo zes de pás sa ros e ar bus tos ° de da mas de o cas vo ra gens lu a cla ra sob as á guas ° sor ri so de on das à né vo a ma ce ra da ° em ná car e nes gas de á gua e pó re vol to ° ga lhos tran qui los so ler tes que à ca sa re tor nam ° tu do tran si tó rio co mo ar e mar ° con lui o de mon ta nha e ce dro ví ve res bro tan do ° das ru í nas dos a bis mos o ho mem con si go ° à ca sa não tor na tu do ho ri zon te a lhu res das cos tas ° sem por tos sem na da : si lên cio aos len çóis ex ten sos

para assurbanipal, livros-pétreos

as tábuas em nínive, tendo-se
consumido, em barro, em cunes,
marcam-se de tempo, em espaço,
às margens de uma outra história,
essa também de viandante, loas
e danças, siduris machadas de vinha.

às margens da ponta do tigre, formas
e esfinges, ao rei e sua biblioteca –
pétrea de barros e versos – re-
côncava, narrando o reino detrás
das montanhas dos cedros – ao que
vence o aríete humbaba, fronte terrível –

em uma impiedade de desejos, sobre-
humanos, condizendo: morte em tudo
marca-se, o tempo das vestes, em peplos,
mais dura que face e as moscas de outrora –
de deuses, moradas nas águas, falanges
em intempéries, de fogos à bela ishtar.

assim, os velhos leões, em tarso,
encontram-se – comércios de verso –
ao que o pão é recompensa, ainda,
do longe, da foz, dos rios: ao que
não se levanta, ainda.

quarta-feira, abril 22, 2009

bósforos ou boğaziçi köprüsü



booz, touro maculado,
sustende-se frêmito,
estreita à ponte sub-
levada de ponta a
ponta: a nesga.

dali suspendem-se
minaretes e força
entoando, multíplice,
as falas – além – para
uma moabita pedra.

as águas de ali, concordam,
a ponte de fervor,
em bois e paragens,
mar mar rã e o negro
das sementes, ainda.

mehmet forja-se a um só
brilho – freme os olhos
de faetonte, precipitando-
se – às terras da pérsia;
num todo raio, etíopes

desertados, aquém de rute.
de seus dilúvios, fogos,
passante outromano
centro, à cidade-mosquée
bizância e grisverdade:

és lã, fronteira, alhures.

leveza


a prata desfeita
sob as orelhas
à margem de ares

a luz permeando
ainda o escuro
cerco de esfera

vela o corpo
de moedas e lã
que chama

veloz trigal
amarelas mantas
um só traço

o rosto desnudo
e as flores foscam
o mármore

o branco noturno
das pedras suspensas
em pluma e pulso

sexta-feira, abril 10, 2009

nostói na telemaquia

“a memória conta realmente – para os indivíduos, as coletividades, as civilizações – só se mantiver junto a marca do passado e o projeto do futuro, se permitir fazer sem esquecer aquilo que se pretendia fazer, tornar-se sem deixar de ser, ser sem deixar de tornar-se.” (italo calvino)

amorfos, os tempos apressam
chamar de hóspede aquele em
que lei e nome se confundem,
permeando-se numa não história.

amorfos, os homens todos garantem
corruptelas de serenas sereias,
silente-morosas, em que tudo negam,
em gris-rochas cavas, macilentas.

proteu retorna à narrativa, voltando
o tempo noutras parragens náuticas
e revela aqui que ainda deve permanecer
intato ao colo – já velho de penélope.

sem ceras e lótus, os companheiros
seguem, sobrevindo os filhos-reis,
os fios de ciclos, mourões espicaçados,
tentando a nostalgia experimentada:

à morte de argos, contínuo ninguém,
no fim todo desejo é perda. e se perde
a todo passado legado, em mais fios
e praias desoladas.

musical baker, para o chet


tempo e tempo para a lenta
fôrma. ar, respiro e fumaça:
pulmões, apenas conhecidos,
tomam na mão o ainda pronto;
ao chão, da janela, tomba o
corpo, soltos pistões em tubos,
laughable and cool, voz entre-
cortada de silêncios, noite de
sol e véus sobre os olhos, ainda.

toast to glenn gould


a throw of the gourds, your fingers,
boards and finger boards
on dices, black and white,
sound and silence, that dice

an elephant heart, glen without
throat – a glee party of mirrors –
or valley. hidden sure sores,
art and fugue – a stilly night,

on a gold whistle, mind wanderings
the wander time slowly spent.
that clavier, hood holds wood engravings,

on a sunbeam, seems a long day-
dream or a gleam less crap:
craps falling into the ground.

quarta-feira, abril 08, 2009

variações para glenn gould


"the purpose of art is not the release of a momentary ejection of adrenalin but is, rather, the gradual, lifelong construction of a state of wonder and serenity." (glenn gould)



glenn, vislumbre do nome, em
trinco de ponto e contraponto,
júbilo – glee – de teclas, ouro e
dados – lançados – sob a cabaça
sonora de chamar-te, ao piano,
com delicadeza claridade de
enormes dedos inflamados.

espera-se da fuga, em fuga sob
as tormentas, uma gradual percepção –
serena e cálida – de celeridade.
cantas ainda, em silêncio, o ar
eleito do instante em que se
escrevem as letras ainda não
presentes, ainda só ausência.

no ano de 1823, púchkin reminded


e, olhando altivo, com profundo
desprezo, a vida, ele não quis
abençoar nada em todo mundo. (aleksandr púchkin)



púchkin, desdenhando rouxinóis,
compõe num só traço a vida –
o que ainda esperar dela – espadas
e canções. homem ainda caído,
cinzas de amplos vazios, poros
e suor. da graça, desprezam-se
os feitos e as imagens todas dissi-
pação passamanes. um sonho,
de imenso, conluia-se nesse
inverno oitocentista ao nada,
o mundo torna-se, ainda vejo.

pau casals


corrente, entre cordas,
o som de silêncios graves,
canto de pássaros seus
restos rebatizam-se em
ventrell - ossos e ocells -
no ar de muitos vazios.
faz, por isso, cantar ao
que elege, d. sebastião,
sobre o tirso da madeira
talhada - aleja as fôrmas -
em que retornam teu presé-
pio de sons, sãos e cercanias.
o que se ouve calar nesses
paus que gemem? o que se
casa, em ais? sustém, aos olhos,
um ainda sentido ouvido e
me cala como pomo nos lábios,
narcisos brotando, abril.

terça-feira, abril 07, 2009

de repente


entre o que escrevo e falo,
as possíveis mãos ainda em
movência: experiências do
silêncio e do rastro, gasto.

cuidas do retorno que é, ele
também, lembrança do lar.
às mãos, cala o tempo noutra
noite, noutros ramos e flores.

sábado, abril 04, 2009

νέκυια


desce à casa, em fogo,
materna para ao fim
gozar de glórias, tristes,
frente à desfigurada face
da dor do povo.

preza, com isso, à toda
fronte - em fruto e flor -
que se conluia em cedro
pó e flama. às marcas,
tecidas, todas, permanecem.

hermes guiando os espectros,
gast de um hóspede,
conduz a paralaxe do
momento - lembra ainda,
fronte a todo tempo,
gasta - joelhos e mãos
sobre espinhos do pai -
no que não converte,
no que não se mantém.
precede assim o gosto
da morte - que não sendo
glória - mancha a mortalha,
essa também escrita.

quinta-feira, abril 02, 2009

ante a realidade


freme, boca vazia.
aos cálculos gris:
calêndulas, ouro e pó.

barba, bisão: falanges.
o homem tece o destino
do homem, que ouve.

à margem, os sabores
soam como flames:
refugiada manhã e sol.

quarta-feira, abril 01, 2009

arco, vida e lira (após heráclito)



tudo cala, nas horas de delfos,
frente ao tenso ar, que é vida,
e à morada de louros, corda e
cor, onde tudo cansa e canta:
vozeio ambíguo do tempo, ente.

tudo fala, nos dias em delfos,
atrás da máscara, que é lira,
e à travessia do homem, mar e
mazurca, em qual falange ou
gárgula, além do tempo, ser.

do mote drummondiano, memória e espéculo



rastejando o dia, como horas,
solfejam cinzas que já são pele
e nácar de rosas esculpidas.

calham-se, em pedra polida,
as fôrmas dissolutas do ritmo,
da voz: gorjeio de rastros, vôos.

intempérie e cristal, fonte gasta,
cisnes oscilam a retração, reflexo,
lembra a dança – tália – num elo só.

palavra põe à boca, fornalha dentada,
um tempo de memórias, riscos feitos
à mão do tempo, em um hoje, repleto.

memórias e aparências a partir de drummond


não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.

(carlos drummond de andrade)