domingo, julho 19, 2009

sexta-feira, julho 17, 2009

três pares de sapatos (evgen bavcar, rené de magritte, vincent van gogh)

(não consegui escanear a fabulosa foto re-leitura de evgen bavcar sobre os sapatos de van gogh; quem tiver interesse em vê-la, está na revista Humanidades, n. 49, janeiro de 2003)


escondem-se de coisa a coisa
escondida em terra e areia mareada
perscruto à lápis e cera o canto
sereno desses ventos, o mundo,
à margem do medo, vocifero,
os pés ausentes, mas os dedos
já lá, imperando: foice partida
da história, deixa o arado
e aguarda a obra da lavoura.

espera, essa língua mortualha,
freme a baforada, enquanto chove,
os telhados recém-molhados,
a memória de um ódio antigo –
aguardando sempre a circuncisão
dos dias, das horas na tábua –
enquanto não vejo, a coisa ser-
penteia os oráculos – uma píton
sorri, gracejo – e nisso sobre-
impõe-se o suspiro do doce,
manjericão e pimenta, noturnos
de outro sonho: lume lucífero,
espero, desvelando, esse rio
mais antigo que o fogo, mais
além dos orifícios.

sexta-feira, julho 10, 2009

ária do silêncio

sussurrar pode ser um descanso
do rumoroso mundo das palavras
(peter greenaway)


escrito, à língua,
míngua estalos:
rumor de água –
matéria enevoada,
palavra no vácuo,
de tempo, demora,
morada tênue e pó.

dia recontado,
à luz límpida,
tecido armado,
pêlos inermes, gris,
a língua entrecala,
repousa calma
cerejeira – pincel

tinta e óleo douram
o corpo sob a rama,
macerado de jasmim
e nada.

quarta-feira, julho 08, 2009

fons erat inlimis

uisae correptus imagine formae
spem sine corpore amat, corpus putat esse, quod umbra est
(Ovídio)


fonte sem névoa,
limo às margens
do cais: outro tempo,
à distância e ao
silêncio murado;
cantam ainda as
miríades e bacas
de pernas e bocas
famintas. foz sem
limo, fonte sem
água: a terra em
freios, às mãos
talhada, um branco
de amarelos ao
hades recomposto
em rosto e resto.

segunda-feira, julho 06, 2009

luto e melancolia (a partir de freud, munch e uma foto)


doar, enseada,
esse desejo:
infenso choro,
ausente a si.

gracejo, iabá,
de morangas,
melodias do si,
a flor explode
amarela sob
o peito, dedos.

insone, golfos,
inversos ao
lamento, elege:
água e terra, à
dança de era
e realidade trans-
tornada – a língua,
cálamo e cera,

macera folhas
e dentes deixados
aos linhos e tez
dos olhos rebrilha-
antes. cala, vapor.
reforça, dada à
vela, ambos valente
à mor, síncope
de ramos e moscas,
ainda um respiro.

quinta-feira, julho 02, 2009

pada (após mirabai)

mira diz hari traz-me de
volta a tua beleza sem
te ver eu não consigo ver

(mirabai)



colar de frontes as vésperas
do canto rouxinol avesso
obscura à tez de cítara
e vermelhos mãos tensas
exilam e exalam teu dorso
dourado teus olhos manchados
de cura e portas refúgio prostrado
tapetes à terra doada
os céus do nome calam
cálamos e piras teus cabelos
a flama inscrita à vista

quarta-feira, julho 01, 2009

satori (b)

preto preto
sombra e sol fenecendo
o tempo entre o ser,
o fim e o feno: brando
soluço vazio, a escrita
sob o fruto, enérgica
leveza sobre as pedras –
traços do solo.

satori (a)


branco branco
luz e lua amortecendo
o espaço entre o tecido,
o ente e o amor: fúria
ao espasmo, a escrita
sobre a ponte, estático
silêncio do sob –
rastro de água.