segunda-feira, junho 07, 2010

nênia para kazuo ohno


silente agora o corpo:
entre pó e branco.
preclara manhã –
as mãos de espírito,
molde, impenetrado,
o ar não se contém.

figura – limítrofe –
faz de foz, a face re-
talhada: em deces-
so, transpassa morada
e espera desse músculo:
afônico de grafos.

o nihil de palco, à
veste bordejada,
converte-te agora:
silêncio e recife, em
buta, teu logro, soalho
de vinhas – acordas, e
mar.
         

quinta-feira, junho 03, 2010

inquisição/départ



toma o secto, o seio seco,
esse anti-ofício do momento,
para si, apenas.


clausura e pensado – alta
fantasia – em nus e fossas,
um só respiro.


deixado, o querer parte –
lança – hier raus, às
nódoas, foscas.


pescadores, mente, ainda,
torturam, suspendem
a pena: um só silente.


afasta do colo, após.
          

terça-feira, junho 01, 2010

nênia para wilson bueno

"os rememorantes possuem ainda outra qualidade essencial ao seu ofício - alcançam perscrutar, mesmo no sono mais embrutecido, os sonhos que ali morrem e se movimentem com esta graça inquieta que costuma ser, dos sonhos, o seu maior triunfo." (wilson bueno)



desarolla o caminho, entre
punho e pulso: ainda rastro.
contaminas o cardo, em
possíveis matérias – esse mar –

da graça – zoo de signo – gárcea.

verto, no passado, o nascer,
entre dado e molde: salir em
la calle – mouriscas – o que
de si dispersa. há carne e sangre;

em lapso e lança, sub-limo.

exploras, no entanto, o abismo:
quimeras e equidnas:
reflexo e amplexo – si a sim –
de distância e, não sendo, sombra;

notas, assim, o estranho pétreo.

voz que flutua, enquanto –
a cera cava
o mó, a lesma – formando
a estela – ao fundo,
exato lazúli: zôon
logon (ouk)
ekhon.
       

segunda-feira, maio 31, 2010

quinta-feira, maio 13, 2010

para hilda, por ontem

     
plena a fala, apenas.
dura pena de sentir-se,
alvejado.

assim, o suspiro de
teu hálito - tudo o que é
ainda, sendo mãe -

dragando o obscuro,
nó e contra nó, lanço-me:
concede-me agora,


mais além do ninho,
o poder estar, não estando,
para fora, no já era.

apenas uma forma do
cínico poder, já por ti
devastado; em denúncia.

nada espero, à beira
da imagem - ainda há meta,
para fora, para além

sendo este, sem o olho,
o sentido que ainda me
impele, continuar, pertencer.

permaneço, ao lado,
força e tempo, pétala:
à luz doada, apenas

um arabesco. enquanto,
de pedra, a escrita se
perfaz - não mais aguardo

ascender, apenas aceso,
o outro agora já me é
claro. e tu, intacta, feroz:
VOCIFERA.
        

danos e divisas; cerrado

atravessa o dia, enquanto insistes,
à beira da sombra, dos ditos e
olhares – jugos e mulas – in-contestes;
assim, o fim de tal e tela: estanques.

buscam, zunindo em poças, o não
de ouvir apenas cisnes, de forma:
carcaça deixada, contra tudo o que
almeja ser, do dado um nada.

ouso farpas, mesmo quando o
do tempo concede-me um só lado –
de fossas e cinismos: e tudo é como
se. grandes sorrisos alegres, consolo.

arpejos escritos, ainda uma via
melancólica, amara. toda uma gente,
a julgar e mentir, como se outras,
acima do voo e da ave: infecundo

telegrama, teleférico, télos.

ainda o resto é possível?
plena fala, em que o lugar, de sem,
colhe o mar de um só haver,
apenas reino falso, fama e folhas,
tremulando, térmitas.
  

terça-feira, maio 11, 2010

para o aniversário, um acróstico

para fabricia

foz, ruído surdo, aos pássaros inertes
ainda da manhã, enquanto dormes,
bulício fosco, morno, calmo – rasgando –
rompe o silêncio de um só dia, esse
início: rastro-palavra, deixada, aflita.
carcomem tez e mais dias, mas permanece,
intacta de sonos, reclinada, tu, morada,
andas em um só peito, vestígio mudo.


névoas, graça e véu, de fios
ouvidos: marfim da pena, sob pluma,
voz, tenso-repouso, o sob
olfato, hulhas e fim:


agora, como que de flores,
núncios, o tempo as embaça
no espelho, só olho que retorna,
outro de mar, à lua dada.


dizes, em vinho e tempo,
ontem, o saber de pedra,
mesmo arabesco, os lábios,
inócuos de ar, molho de rumor,
nada, do que advém ao sopro,
ilharga rubra, o sempre está, de hoje.
   

segunda-feira, abril 26, 2010

rumor

convulso, refaço toda
marca – escrita-jazigo –
em um só corpo, nó. as-
sim, vitimas o fogo,
orientando-se, olvido.
bordas e renegas: falaz,
olho e aurora – sob –
inundam de adeus; outro-
ra. estanco, estás
convulsa, de palavras.
     

de mandelstam, indireto


o som, cauteloso subjugo,
da fruta ter se descolado
da árvore entre inquieto sussurro
do profundo silêncio do bosque.


óssip manldestam
(repoetizado)
 

céu aberto


de blau vergo o chão,
trocando o sol, pela
manhã: abetos e nenúf(
sonho-despedida)
ares.

de mim, autocômodo,
moribundo desse outro,
o corpo espaça a culpa
sil(vestida)vestre;
ardor.

o ventre preclaro, a-
inda uma torre, in-
finda: dedos mol(
peso)
dados, arfantes.

espéculo do cima,
precipício do rosto,
abaixo dessas raízes –
mudança de tem(
pulverizado)
pó.

enquanto ajo,
escri(p)ta nítido-
voraz. ás. extensas
mãos e vermelho:
apanhar ícaros;

a recusa, língua
de mil dentes,
escusa-se de si: a
mais dentro, mais
fronteiro.

ares, órgão real,
além, blau e moras.
evado-me calando o
sor(rumorejo)
riso, de mim:

abaixo, são degraus,
bosque e fosco, conluio
de lapsos sus(piras)
penso
alicerce.

do caminho, o dito,
freme estranho
mal(feitor)
fadado, disso que
só sobra, der-
rota.
       

sexta-feira, abril 23, 2010

torre de montaigne

morada e manso passo,
traz-se a si, o ele da escrita,
essa mácula abaixo do
acabado: eu.

move-se, no entanto,
por nome a nunca –
formas e chão, à nuca
de torre e pedra.

monstro de si, saber
é essa demanda:
loucura e jardim,
apagar-se.

monte e anhos,
sacrificas do alto
selvagem da
tortura, do embaraço.
        

quinta-feira, abril 22, 2010

brasília





pálpebras, besta cerrada,
cerceando o gris e o alvo –
morada de estanques ad-
vinhas esfumadas – o corpo,


desnudo do traço, acima
abaixo – jornada oblíqua –
de ti, um só vento, ladrilhos:
espalmada, plena em silente.


reluz, do olhar espuma, o
calhau da noite – o audível
de hora a mora – todas as
vigas suspensas, como se


leves: língua de faca, fagulha
fincada de voz, ninguém. a
estrela oca, sob as mãos, de
flor atravessada – isolando


o junco – por palavra e cal.
cimentas a chuva, abrigo
de esboços, tudo em torno,
lágrima e lástima: ar apagado.


verso seco, de ipê e horizonte,
hiância do dizer, remido, de
imersos e preclaros vazios:
a curva, no plano, morada
anfidestra.
  

quarta-feira, abril 14, 2010

rublev, para olímpia



  




tempo ancorado em ouro,
ainda o caule d’água, faz-
se pó e selo: o risco quase
rasura –


noturnos olhos, finos,
sombra e plainos, a
linguagem – marolas
e pérolas.

ascese – dês nascido –
de corpo e pêlos, um
jardim de homens,
entre asas e ex-

cicios: toda água
tomada de jokhann,
de uma dimensão,
acima, manto.


dissolvendo-se, em ocre,
as vestes da carne
remontam o sangue,
em ser –


macio farfalhar, por
onde andas, e na
calma de um dia,
sorri à fantasia –

o todo sangue der-
ramado, recolhido.
    

domingo, março 28, 2010

engendro: prometeu arabesco

      
τίς ἀχώ, τίς ὀδμὰ προσέπτα μ᾽ ἀφεγγής;

[que eco, que cheiro voa até mim, sombrio?]
(prometeu, via ésquilo)

asa e véu, o perfume escalando,
converte-te ao solo em tímpano –
de si o som de céu, conversa e
folha, deixada ainda, sob a cava
vaga de esporas, amanhecendo
como louça lúgubre, em leito –
ao soluço, retornam as palavras,
acolher crueldade.

uma só língua, entre arabesco
e cetim, o luto, o avesso – calando
a noz, o dentro-fronteira, tampon-
ando-se à queda, doce adeus –
em flor, de nada, esquecida:
a nau da demanda, esse corpo,
esse único de cicatriz, uma só vez,
de não-apenas, aqui.


à morada da boca, ardem fraga e
limo – relembras o tecido, de
olhos –; estranho e mudo, de foz
e força, pedra cega: grilhão e
abismos todos. mordem-te ululos,
tez e fogo, metal partido; fundição.
a voz, frágua de pele, aguarda,
suave.
                 

sexta-feira, março 26, 2010

Geheimschrift


da cera, passada, os rastros
habitam – fronte e morada –
esse corpo, delgado, de
folha a lâmina, estilo e gris.

assim, cal-
cada traço, desmente-se,
filame secreto, decifrado:
a escrita em si, refunda-se.

prodígio, os sulcos guardados,
um sesto ao inverso – re-
filtram as manchas, espargindo
mais sopros, anima.


ainda permanente, todo signo
perfaz-se ao baldio, nó de
estrada e via retalhada: sonho
fraco, alusão de morsas.

anamnese e atraso – imago
retraçada, sustida pelo lápis –
no envio da voz, calada de
letra, na asa da origem,

sempre re-
nascida em tempo-
arada, wenn er nachdenkt,
o só pedido, convertido

de mãe,
naquilo que a escrit-
urra da página, no livro, um
bloco de ar, celulose e ártemis –
cantando-se silentes, recifes
e pele – enquanto correm,
cortando-se quando, o reflexo
outro, de tropos.
                         

quarta-feira, março 24, 2010

alguns alhures na (in)tradução

   

une voix venue d'ailleurs (maurice blanchot)

uma voz vinda de alhures

uma voz vinda de longe

uma voz vinda aliás

uma via vinda de alhures

uma via vê nua aliás

uma voz vésper de alhures

uma vez vinda de todos eles

§ § §

aliás, uma voz, de alhures, vinda:
visão vesperal, toda a vênus, deixada.
nua, a forma, a via, de uma voz -
deles todos, de outro lugar, futuro.
             

mákhe: nome e o hágios

  
de toda marca, obscura
nódoa de brancos, a fonte
despe-se e conduz-te em
seixo e calhaus, de vereda
e vislumbre: mós, ao corpo;
pele aos pés, o pó do nome.
                                     

sábado, março 20, 2010

velas, tu

   
à margem da vela deixada,
a fazedora permanece, em si,
estanque rota. simplesmente.
o tempo, ausência de imagem,
coroa o pavio, a cera -
contradiz o lume, em
sombra-de-palavra -
em pingos e sangue derramado;
corpo, esse intruso, con-
dizendo-se ver, para fora, cirro,
o derrame, desvelo:
espaço escondido, nos
braços, carcomidos de
mudez.
                                              

máscara, de nietzsche

Wir haben die Kunst, damit wir nicht an der Wahrheit zugrunde gehen
[nós temos a arte, com isso não nos afunda a verdade]
Friedrich Nietzsche


esporas, deixando-se –
as formas de um som,
silente, de bodes –
macerada a marca,
insana, foz, de ti
rãs e bois, levados.

sólido pêlo, estanque
o ar, respiro último
de verdade e veemência –
o corpo roto, maculado
de gris, cavalo deitado,
raso olho, laceração –

e vontade, querência:
ramas e tecidos, enquanto
não definhas; o mais
querer – desse traço,
alvo-desnudado. falange,
sentença preclara, cal.

à fêmea, de olhar-te,
lê-se um só modo, ex-
perecimento, todo o
fruto – tâmaras – do dizer,
letra e cursos, mais-além,
soluço de vinho

e dança de tristan, ambos
calados, de outro
espaço e voz, alhures,
arrulho de água. sal de
olhos e óleo de santos;
convulsiva, acima,

a moral daquilo, de dizer.
espéculo – bayreuth lan-
çada, aos pés – e espólios.
a si, o tempo. tudo,
fome repentina e serpe
desdita o outro lado,
de nada.

quarta-feira, março 17, 2010

sobrescrita, voluta


falas, para longe de mim,
enquanto a mão, demora
interna, falseia o chão de
gris.

falas, em termo de asas,
vestindo-te agora, calada,
de nu e sombra, em palavra,
grão.

falas, aos gomos, épura,
tecendo sons, dormem os
olhos, de carnes e chifres,
grei.

falas, tomada de sol, claro,
das pernas, repouso, galhos,
e culpa de vento, o tempo,
grous.

falas, calma de ti, retida,
e ouves a descida lenta,
fio a fio de dia: sentencias,
gruindo.

terça-feira, março 16, 2010

a lume spento

or le bagna la pioggia e move il vento
di fuor dal regno, quasi lungo 'l verde,
dov' e' le trasmutò a lume spento.
*
[e o banha a chuva e o demove o vento
para além do reino, cercando as margens
do verde, onde o transladou a lume extinto.]

dante alighieri, purg. iii, vv. 130-133


coberta a cabeça, pré-
claras manhãs, o
medo, o sentido
se escorre,
calando-se, na
fala –
faunos e gárgulas,
monturo de moradas.
o dizer revê aquilo,
que em ti vive, má-
cula da palavra,
a voz repreendida, no
óbito, do
olvido:
órbitas daquilo
que se separa, tronco
e pescoço, vindo
ao pó de vestes,
paras. chiado –
ausência do manto –
mantém-se descendo
o calor do mais verbo,
a mor, pó dor. tudo,
enquanto decalcas
a sombra, o medo,
o nada. minguando-
se os fios, temendo.
a boca e o pincel,
o dedo nas mais
cordas – tão –
soluçando, ao
caminho, mais
tenso: espectro,
e aguardas. dei-
xando-me mais
a mais de tuas
rosas – só lustro –
spento – o corpo,
esfumaças da ponte,
rebentas, colhido.

ultimar a falar, traduzindo celan


Sprich auch du,
fala também tu,

sprich als letzter,
fala o extremo,

sag deinen Spruch.
diz tua sentença.

  
Sprich –
fala –

Doch scheide das Nein nicht vom Ja.
porém não corte o não do sim.

Gib deinem Spruch auch den Sinn:
dê a tua sentença também o senso:
gib ihm den Schatten.
dando-a à sombra.

Gib ihm Schatten genug,

dando-a sombra plena,
gib ihm so viel,

dando-a ao muito,
als du um dich verteilt weißt zwischen

quanto a ti tu sabes espalhá-la entre
Mittnacht und Mittag und Mittnacht.
meia-noite e meio-dia e meia-noite.

Blicke umher:

olhe ao redor:
sieh, wie's lebendig wird rings –

veja, como ao isso vivo tornam-se anéis –
Beim Tode! Lebendig!

em morte! vivo!
Wahr spricht, wer Schatten spricht.
verdade fala, quem sombra fala.
Nun aber schrumpft der Ort, wo du stehst:

contudo agora míngua o lugar, onde tu estavas:
Wohin jetzt, Schattenentblößter, wohin?

para onde agora, o dessombrado, para onde?
Steige. Taste empor.
escala. tateando empós.
Dünner wirst du, unkenntlicher, feiner!

escasso tu te tornaste, indecifrável, estreito!
Feiner: ein Faden,

estreito: um fio,

an dem er herabwill, der Stern:

à ela desejo-desce, a estrela:
um unten zu schwimmen, unten,

para abaixo flutuar, abaixo,
wo er sich schimmern
ali ela retém o cintilar
sieht: in der Dünung

de si: no vagaroso da onda
wandernder Worte.
sempre viandante de palavras.



paul celan
piero eyben

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

como se projeta um espanador


Nunca acreditei nessa história, sempre comentada entre os docentes, das instituições privadas de ensino “superior” serem apenas máquinas de produzir dinheiro, sem nenhuma preocupação maior. Nunca acreditei nisso, pois consegui trabalhar, durante um tempo razoável, a formação de 4 turmas inteiras com compromisso de quem acredita. Aliás, essa é uma palavra estranha! Acreditar é um verbo que possui duas possíveis interpretações: uma demasiadamente esotérico-religiosa, de crer em algo ou alguém, em um sentido maior; outra que mais molda aqui, de dar crédito a, conferir credibilidade e estar em crédito com. Todo crédito se constrói no sentido da confiança depositada – mais um termo econômico – que entre docente e aluno se faz com apenas as diversas realizações conjuntas, no âmbito da sala, do corredor, da biblioteca.
Construir um projeto comum, em uma instituição privada, sempre foi visto como inexperiência, ou melhor, ingenuidade. Mantive-me ingênuo. E, claro, com grande parte da ingenuidade, mantive-me no erro de dar crédito – em todos os sentidos que essa palavra possa ter aqui – às instituições. A falência dessa crença – ou do crédito – fere tudo aquilo que se possa vislumbrar como projeção a um futuro. O discurso se desarticula, é desarticulado por poderes de execução, por “pessoas”-corporações que não vão nunca entender o real motivo de se estar ali, construindo um projeto. Falir é destituir-se completamente daquilo que foi almejado. É espanar para fora a poeira simplória e nada eloqüente que (de quem) não teve a chance de tornar-se o incômodo da terra, da teia de aranha, do encardido.
Há uma conjectura possível aqui: nada se faz pelo bem do outro. Não há instituição, que se pague, na qual se possa de fato ter uma ação filantrópica. O movimento da amizade ao homem – que está nessa palavra – não é um espaço conhecido por executivos de qualquer casta. Talvez a decisão dos governos em não se considerar instituições de ensino como entidades filantrópicas tenha sido uma das melhores formas de mostrar que eu estava errado, que a ingenuidade não pode oferecer crédito. Afinal, não elas nunca saberão quem é esse outro. O outro é e está muito distante das mantenedoras que apenas querem espanar para uma mística de mercado e, ali, conseguir números e desempenho, em outras palavras, máscaras e encenação.
Durante todo o tempo de meu ensino, estive atento a não fazer do esforço de cada aluno uma atividade vã ou obsoleta, e nisso não estive ingênuo. Mas agora, com a prisão das carteiras, o máximo da crença e do crédito se estará projetado no fabrico de peças ao pó, a e-mails desperdiçados, a falsos sorrisos de transição. Sob o véu de um maior profissionalismo, de uma melhor propaganda, se escondem a punhalada, o susto no escuro, a negação à formação, o escrutínio com o parasita. Não há mais hospitalidade, recebimento involuntário e ameno, há apenas mais e mais possibilidades de negócio, trama, embuste. Isso porque não há, não pode haver, naturalidade na troca indiscriminada de todo um corpo sem que o mesmo não parecesse um Frankenstein sem saúde, um dr. Jekyll sem a parte diurna. Há, por pena, conceitos de gestão.
Vendido, o objeto lançado à frente tem marca. O que se pode comprar. Aquilo que se adquire. Condução e sustentabilidade, palavras boas para um novo projeto, mas o que se produz? Créditos para a compra de um novo espanador.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

delfos


ὁ ἄναξ οὗ τὸ μαντεῖόν ἐστι τὸ ἐν Δελφοῖς,
οὔτε λέγει οὔτε κρύπτει ἀλλὰ σημαίνει.

assombro, silentes de sombra,
marca de papiro ou olhos,
um só arco retesado, sob ânfora,
enquanto congelam-se
sopros e saberes, em fonte
úmida e tempo ao mofo.

eis o mote, morto febo, a
imobilidade se apronta em
mais uma das serpes, aurigas,
um crepúsculo sobre o laranja,
estanque fronte de centro
e canção, desnudando-se:

assim, deixa o silêncio ao
fogo, entre tornados ao istro;
surdo diálogo e lavor de pés
tensos, olho longínquo, ao
infante, que detrás, lê o oráculo.
castos sonhos de lágrima.

sexta-feira, dezembro 11, 2009

véus e mélica

para fabricia nos 10 anos


neve, vendo, e ouvir –
à borda de rios, teus,
fremem de si, durando –
os passos já de pétalas,
sorriso por dizer, em eco;
assim, promessa de mais
dias duplicados, de peles,
de músculos, seus ossos –
a voz ressalta, remove-me
de cá, alhures, em calor
e calar tuas flores, todas –
sombras de nácar, nuvem
de mais olhos, teus,
que aguardo, na demora
habitado, de morada –
silêncio macerado, silvo,
em que me exilo, deixando –
retorno, em palavra,
aquém de pássaros, teus,
toda areia, tua, no começo,
prévia de ausências, branco,
de todo vento, sem-tempo,
na vida como resposta –
abandono de palmeira,
sulco que é nome, espanto,
inclino-te, corpo, aos restos
do dia, em que me habito –
tintas folhas na aurora.

sábado, novembro 14, 2009

νεκυομαντήιον

πέμψαντι γάρ οἱ ἐς θεσπρωτοὺς ἐπ᾽ Ἀχέροντα ποταμὸν ἀγγέλους ἐπὶ τὸ νεκυομαντήιον
[ele enviou mensageiros à terra dos tesprotos, no rio aqueronte ao oráculo dos mortos]



ausência essa de ar,
figuras negras sob
o portão tricolunado,
imolando as faces
à cor gris rasurada,
azulejos de pedra.

o solstício pervaga,
câmara alva, rastro,
calando-se às escusas
de deméter a mãe
do som, pérfido, foz:
fuligens de corpos.

a donzela, deixada
à não-visiva visão
de Ἅδης, abandonados
os pés à fonte caiada;
torres de éfira, aliança
sub-limo, abaixo.

terça-feira, novembro 03, 2009

nênia para lévi-strauss



trópicos de ocas – o som oco do
negro, da sombra suspeita – riste
ethos de marcas – corpo de índio –
o andar de âmbares, nadar de
mitos: cosmografia de harmonia,
olhos de cru, de nódoas bororos –
corados sangradouros – o sonho
do sozinho, calar de expedição,
invento da carne, intento de tato.

incerto o pai, o filho decai em raça,
em flechas de pensar a selva oscura:
o tempo borraça, moçar de provença –
tristes moradas, borrados de signos
ágrafos, objetos de homem.

quarta-feira, outubro 21, 2009

esmirna/izmir


pérola de azul, a voz de heródoto
doa um canto fausto – cegas pernas
de homero – brilho leste, da mãe
de estreitos aos traços deixados
em relva, em runas os ramos do
pórfiro do talude – castelo veludo
do αιγαίο πέλαγος: pedra púrpura.

âmbar



voz de fruto, a luz converte
o rastro, calado, do tempo –
de toda fronte deflagra a
noite de arcos, deslizando-se –
de perfume, resta, silente
a morada: caminho, ainda.

quarta-feira, outubro 07, 2009

i(n)con(nue)


adormece a legenda,
alvos nardos, poços
deitados:

e canta assim o
espelho da lágrima,
doada, por trás da
cena;

a marca da tarde,
feita de ponteiros,
converte-se em seda,
a flora de memória
e escrutínio;

esvai-se pelos seios
a dama de copas,
forma de carne,
morada de entrâncias,
enquanto a nuca, simples,
aguarda.

i(n)con(nue)


pétala desabrocha,
sob o véu, sob o
tecido nu do corpo
e dos olhos, abaixo.

em sépia, toda dês-
conhecida ao tempo,
ampulheta de pernas,
às areias deixadas:

assim, some-se prévia
à festa, à fera, lançando
trilha e tear, de linhos
e madeiras; vesperal.

segunda-feira, outubro 05, 2009

homeros diversos, do braço à letra


Ὅμηρος:

οἵη περ φύλλων γενεὴ τοίη δὲ καὶ ἀνδρῶν.
φύλλα τὰ μέν τ᾽ ἄνεμος χαμάδις χέει, ἄλλα δέ θ᾽ ὕλη
τηλεθόωσα φύει, ἔαρος δ᾽ ἐπιγίγνεται ὥρη:
ὣς ἀνδρῶν γενεὴ ἣ μὲν φύει ἣ δ᾽ ἀπολήγει.

Odorico Mendes:

Como as folhas somos;
Que umas o vento as leva emurchecidas,
Outras brotam vernais e as cria a selva:
Tal nasce e tal acaba a gente humana.

Haroldo de Campos:

Símile à das folhas,
a geração dos homens: o vento faz cair
as folhas sobre a terra. Verdecendo, a selva
enfolha outras mais, vinda a primavera. Assim,
a linhagem dos homens: nascem e perecem.

Frederico Lourenço:

Assim como a linhagem das folhas, assim é a dos homens.
Às folhas, atira-as o vento ao chão; mas a floresta no seu viço
Faz nascer outras, quando sobrevem a estação da primavera:
Assim nasce uma geração de homens; e outra deixa de existir.

Carlos Alberto Nunes:

As gerações dos mortais assemelham-se às folhas das árvores,
que, umas, os ventos atiram no solo, sem vida; outras, brotam
na primavera, de novo, por toda a floresta viçosa.
Desaparecem ou nascem os homens da mesma maneira.

George Chapman:

When like the races of leaves
The race of man is, that deserves no question, nor receives
My being any other breath. The wind in autumn strows
The earth with old leaves, then the spring the woods with new endows,
And so death scatters men on earth, so life puts out again
Man’s heavy issue.

Samuel Butler:

Men come and go as leaves year by year upon the trees. Those of autumn the wind sheds upon the ground, but when spring returns the forest buds forth with fresh vines. Even so is it with the generations of mankind, the new spring up as the old are passing away.

Stanley Lombardo:

Human generations are like leaves in their seasons.
The wind blows them to the ground, but the tree
Sprouts new ones when spring comes again.
Men too. Their generations come and go.

Robert Fagles:

Like the generations of leaves, the lives of mortal men.
Now the wind scatters the old leaves across the earth,
now the living timber bursts with the new buds
and spring comes round again. And so with men:
as one generation comes to life, another dies away.

Hugues Salel:

Le Genre humain eſt fragile, & Muable
Comme la Fueille, & auſſi peu durable.
Car tout ainſi qu’on voit les Branches vertes,
Sur le Printemps, de fueilles bien couvertes,
Qui par les ventz d’Autumne & la Froidure,
Tumbent de l’Arbre, & perdent leur verdure,
Puis derechef, la Gelée paſſée,
Il en revient en la place laiſſée :
Ne plus ne moins eſt du lignaige humain :
Tel eſt huy vis, qui ſera mort demain.
S’il en meurt ung, ung aultre vient à naiſtre :
Voila comment ſe conſerve leur eſtre.

Leconte de Lisle:

La génération des hommes est semblable à celle des feuilles. Le vent répand les feuilles sur la terre, et la forêt germe et en produit de nouvelles, et le temps du printemps arrive. C'est ainsi que la génération des hommes naît et s'éteint.

Paul Mazon:

Comme naissent les feuilles, ainsi font les hommes. Les feuille, tour à tour, c’est le vent qui les épand sur le sol, et la forêt verdoyante qui les fait naître, quand se lèvent les jours du printemps. Ainsi les hommes: une generation naît à l’instant même où une autre s’efface.

Minhas tentativas:

como ao clã de folhas, assim é o de homens.
folhas que ao solo o vento entorna, outra árvore
novas as faz florir, irrompe a primavera, ateando ver:
clã de homens irrompe e desarvora, lado a lado.

ou

como à linha de folhas, assim é a de homens.
folhas que ao solo o vento entorna, outro caule
novas as faz florir, a primavera, visto tecido:
lado a lado, linhas de homens tecem-se e desfolham.



Homero em versão samba,
Nelson Cavaquinho:

Quando eu piso em folhas secas,
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha estação primeira
Não sei quantas vezes
Subi o morro cantando
A luz do sol me queimando
E assim vou me acabando.
Quando o tempo avisar
Que eu não posso mais cantar
Sei que vou sentir saudade
Ao lado do meu violão
E da minha mocidade.

domingo, outubro 04, 2009

nênia para mercedes sosa

todas las voces, todas
todas las manos, todas
toda la sangre puede
ser canción en el viento.


tâmara e cigarras, entre
pavilhões de terra e amar
de gente: mar deixado a
voz, cantante, repleta.

vento deixando-se, abre-se
mais uma das estações
de folhas, de homens:
rompendo o cais, o porto;

quando se tem solo às mãos,
deixando-se os olhos ao som,
soslaio de mercês de ouvir-te,
de todo canto. pele deixovoz.