sexta-feira, maio 15, 2009

haikai rubramarelo


carpas douram
a translúcida água:
solfejo de verão.

haikai, prévio


um vasto senão,
ainda novembro,
constroem-se casas.

haikai



peles aos que vêem :
frêmito e romã e maçã
aurorecem os sentidos.


haikai, repensando o tanque

ninguém vê a odre,
de águas paradas, árdua,
sentinelas dormitando.

haikai - para bashô


há quem teça
lã, paz na pedra:
bashô além do sol.

haikai, somente.


traços da areia,
em que calam
as ervas, formigas.

haiku - grande onda



emergem à onda
têmperas do dia, moradas,
naufragando o calor.

2.

em madeira, grava
hokusai as águas,
seu oposto de tinta.

haikai - primavera para adônis



antes, à curva tece:
aurora das primaveras –
adônis retorna, dilacerando.

haiku, calígrafo



shi'r, óbice ápice,
frente à casa, letras pairam,
shodo – florescendo.

tentativa de tradução, indireta, do poema de adonis


a cor da água
adônis


tua cor é a cor da água,
ó corpo da linguagem
ali onde a água é
lêvedo, raio ou fogo.

a água se acende e se converte em raio, se converte
em lêvedo e em fogo,
em nenúfar,
chamando meu travesseiro
para dormir...
ó rio da linguagem,
viaja comigo dois dias, duas semanas pelo lêvedo dos segredos,
recorreremos mares, descobriremos madrepérolas,
choveremos rubis e ébano
aprenderemos que a magia
é uma fada negra
que não se enamora apenas do mar.
viaja comigo, surge aqui... desaparece ali...
e pergunta comigo, ó rio da linguagem,
pela concha que morre para converter-se
em nuvem rubra
de chuva,
em ilha
que caminha ou torna,
pergunta comigo, ó rio da linguagem,
por uma estrela cativa
nas redes da água
que carrega entre seus seios
meus últimos dias.
pergunta comigo, ó rio da linguagem,
por uma pedra da que brota a água,
por uma onda da que nasce rocha,
pelo animal almiscarado, por uma pomba de luz.
descende comigo pela clarabóia da trevas
ao lugar
onde habita o tempo roto
para que a linguagem seja
um poema que se veste com o rosto do mar.

beleza da caligrafia... poema de adonis

علي أحمد سعيد (أدونيس)
لون الماء

لونكَ لونُ الماء
يا جَسَدَ الكَلامْ
حين يكون الماءْ
خميرةً أو صاعقاً أو نارْ

وَاشْتعَلَ الماءُ وصارَ صاعقاً وصارْ
خميرةً ونارْ،
نَيُلوفراً
يسْألُ عن وسادتي
ينامْ...
يا نَهَرَ الكَلامْ
سافرْ معي يومين، جمعتين في خميرة الأسرارْ
نلتقطُ البحارَ، أو نسْتكشف المحارْ
نُمطرُ ياقوتاً وآبنوساً
نعرفُ أنَّ السّحرْ
جنّيةٌ سوداءْ
ترفضُ أن تعشقَ غير البَحرْ.
سافرْ معي واظهرْ هنا... وغِبْ هنا...
واسألْ معي يا نَهَرَ الكَلامْ
عن صَدفٍ يموتُ كي يَصيرْ
سحابةً حمراءْ
تُمطِرُ،
عن جزيرهْ
تَسيرُ أو تطيرْ،
وَاسألْ معي يا نَهَرَ الكلامْ
عنِ نجمةٍ أسيرهْ
بين شِباكِ الماءْ
تحمل تحت ثديها
أياميَ الأخيرهْ.
واسألْ معي يا نهرَ الكلامْ
عن حجرٍ ينبُعُ منه الماءْ
عن موجةٍ يولد منها الصّخرْ
عن حيوان المِسكِ، عن يَمامةٍ من نورْ
واهبطْ معي في شَبك الدّيجورْ
في القاع،
حيثُ الزّمنُ المكسورْ
وَلْيكنِ الكلامْ
قصيدةً تلبَس وجهَ البَحْر.
ADONIS

outro rastro, dançando


aos olhos
silentes,
da dança,
rodo-
piam-se
os corpos,
manchados
de deidade,
deitados
ao colo do
amado
vestem-
se ainda
do sul-
tão largo
sertão
de sis
às brisas
do oriente
safira e
zéffira color,
de todo, um,
códice
sobranceiro
dervixe, rumi-
na à casa
rasteira,
beira do
sufi-
ciente
movi-
mento.

dança sufi, uma memória


o mundo rodopia,
e o demo, no meio,
calando-se os passos,
revoltos das mãos,
estáticas de rumi;
as rosas arborejam,
enquanto o poema
perfaz-se, dançando.

dervixes a partir de do júbilo joyciano

“whirling dervish, Tumult, son of Thunder, self exiled in upon his ego” (Joyce, FW, 184.6-7)

redemunho, de ver muda-se
o tumulto, talmúdico emudece,
tudo, troveja, filho ao pai relâmpago,
a si em si de exílio, elixir consigo
pelo eu além redemoinho, re
demônio de mim, dançando,
no meio – sufis, um – do moinho:
b r a n c o
abaixo do trovão, acima da mão.

segunda-feira, maio 11, 2009

dia da fabricia

(feliz aniversário, amor)

nosso fado, fato de amor,
à luminosa forma de tempo,
marcas da ruiva rajada de
sol, ar e maresias, teus olhos.

amplitude, essa vastidão, templos,
teus odores, seios, ainda me
calo de ver-te: capela, azul-corada,
dos santos. a se entregar, cuidados.

som de sorte, tuas pernas, mirra,
picos de igreja, à vida, antiguidades
nos sorrisos, teus dentes, almiscarados
na memória, dos sonhos em nácar.

as flores todas, cheiros ocres,
açafrão e amarelos de pequis,
ainda vermelhos de fertilidade,
amor e vida, e mais vida ainda.

o que faz querer, no bordado,
no tracejado das ondas, livres,
antes, pós, luz indócil de, encanto,
destino – semente, morada de amoras.

sexta-feira, maio 08, 2009

diverso sonho (dês llansol)



chama à vértebra estacada,
os pêlos ao ar e leite dos gatos,
em suma escritura, virgem e
sebe, um punho à leitura cede.
entretecem-se contratempos
de casa, à luz do ser, escritor,
para outros ainda perigo, poço:
um jogo e espelhos a iniciar
a jornada, única, do lugar, do
cerco da serra, a sede do bem.
tuas folhas de ter sonho, dia-a-
dia, morosa fuligem: maciças
as flores da promessa, dos frutos,
do antanho olhar viridente.
alhos e azeite perfumados, atinjo-te
o topo da amoreira, todas as cores
caiadas e magentas, olhos ao cão,
a causa do beijo, findo o domínio
da palavra, inscrita, do desejo da
a tarde; em que erro, passeando-te,
natura, espaço que resta, sendo ainda:
c o r p o t o c a l u z.

v(l)endo fernando aguiar

(poema visual de fernando aguiar)
(minha antístrofe à visão)


entorno o mamilo,
uma erótica da escrita,
o bico – lembrando mãe,
ou amor – ainda pulsa
a palavra advinda,
contrária à clausura:
pé e o cio, ócio pôs-se;
pó é cio, o corpo assina:
p o e s i a

quinta-feira, maio 07, 2009

nênia para boal


converso contigo agora,
nesse espéculo de corpo
voz e movimento, em que
atuo. um nenúfar de terra
sob a face outra da margem.
hetero(espaço-cena)glosia
de um entre, legado, às vozes.
o que cala aqui não é aquém –
práxis dos corpos, ação.
enquanto se oprimem dores
da falta, da perda, se abre
o instrumento da vista,
um teatro da vida.

quarta-feira, maio 06, 2009

bons-garrotes e sons-em-bergamota (após moses und aron)







i

da imagem, do anúncio,
às fontes, livro sobre a mão
de hamlet, sela o templo
sibilino da voz calada.
destruindo-se à imagem,
a palavra advém
sem plenitude, dês
realizada em loucura,
pranto às ânimas frente
à tumba patrocléia.
falas, falsa imagem
à margem flagrante,
os passos da falta,
gema imóvel, casca
despida. soam os
desertos dos peitos,
so(m)branceiro, o peplo
construído de folhas.

ii

à pedra grava, à lei,
de palavras não cantadas,
inscreve com fogo, à
horda primeva, o talento
à face se doa. corda à
boca ata-se, enquanto o
ar cala, vazio corpo. calam-se
ao mármore – luta frente
ao uno, impositivo um.
anjo a som e bosque
toldam moldados espectros,
cristais, anos e faltas:
nula parte o wort,
du wort, paralizada
das mir fehlt! ao oco,
martelado, perché non
parli?
, em ícone calado
de si, a si regressando.

terça-feira, maio 05, 2009

a ver / aveugle

o visto – táctil às mãos,
de unhas sobressaltadas –
veermer a colocaria
diante da luz, refratada,
de vítreo, possível averduga,
ao juízo de palas.

o colo – visivos aos olhos,
em luz, sombra e filme –
averga-se diante do foto-
grama, máquina objetiva,
de lentes, possível cegueira,
técnica de vontade.

a moça –
tolhida de seu
espectro –
mancha
o negativo
de sublime.

sábado, maio 02, 2009

jerusalém-auschwitz (após e para gonçalo m. tavares)











sabre a sabre, lúcida escritura,
entre a fala e o falo dos loucos,
o término, pobre menino, longe,
corrompe-se à noite, em ruela,
malfadada à busca da imortal
batalha, prostitutas e hannas –
o horror crescente entre barbáries
e anjos tortos, gagos. os assaltos
de mylia, cantante e crente, às
mãos ainda faltam, mesmo ao
vidro estacado. desastre e mais.
pernas, longas, encravadas pelos
campos, inundadas pelas nódoas:
pêlo a pêlo, tudo imundo sem saúde.
luz perluz a moura figura: a cidade
baixa-se de antiguidade, ruelas,
ruelas e lamentos. decaem-se
sinas e os sinos dobram, a ninguém.
não se recupera o joelho malsinado,
todo branco e cinza transformado.
o hino dos céus – himmel – alto a
mais alta torre. canta aos pés ma-
culados. horror, o reino todo desfaz-
se, paladares pomares. o legado
nos deixa: paz delegada, morada
corrompida para além da janela,
o real,
à frente,
ao chão.

quarta-feira, abril 29, 2009

decerto bayreuth deserto, em so(nho)


flutuam vagas em águas
vastos flancos de naus
faz das veias flamas
ventos soam sonham
aos ninhos ocos conluios
ruidosa máscara silente
rende-se aos olhos
repulsas escuras em peplos
sombrios inquietos
fantasma e a vida
esfera moldada fiel
já fecunda por trás
um só fardo um dom
de insônia extrema
confissão e todo
súbito todo instante
um só feixe um perigo
empreende o peso
de massustância
todo fogo improviso
forma e ordens
jaz consigo
língua falanges
águas perfídias
puro traço ausente
senão sentido
a voz de débil
refaz-se aspiro
isolam-se os véus
vacilante heresia
vocifera os limos
não os signos não
a fala débito mudo
poder e consolo
revolto a ninguém
os dardos nos olhos
transposto o amor
o devir pensado
por vir longínquo
da tez dos dedos
a boca entrecortada
palavra só língua
moroso-encanto
forja canto a canto
dia-a-dia de seu fundo
de um rígido som
blásfemo noturno
ao passo sobre-sonoro
passo de sonhos e paz
oscilam esgares
às mãos em exílio
expostos silêncios
turbilhonante a cal
de freios ao longo perder
do engano
do insone
agora
perdido

terça-feira, abril 28, 2009

leveza 2



os corpos estáticos
dançam.


mão repousada
sobre curvas.


leveza e tez,
tecido luminoso.


repouso,
como sem asas,

anúncio do
descontínuo

vislumbre
de sombras.

gabinete do dr. freud



ali, entre linhas persas,
estranhos bustos recobrem
o passado familiar: mal
dos sonhos, dizer de idos.

deita-se, clínico olhar
de fênix ou pássaro que
se leia de enquanto horrores
o ventre fêmeo deslinda-se.

cabeças reclinadas nessa
coleção de pó ante areia,
o livro persabe o audível
nefando: conluios de luas.

júbilos, de outro tempo,
inibem os dedos, uma falta
e à flama da fala esvai-se
em um mosaico de pétalas.

segunda-feira, abril 27, 2009

pássaros nus, dos olhos de bavcar


ao não ver às mãos
recuam e coam pás-
saros entre abetos
e tinta branca em
um ocaso nevoado
t a c t e a n d o

ao ver às veias
volumosas entranhas
do púbis de pêlos
os seios redondos
sobrevoam as faces
e v g e n b a v c a r

ao não ver o visto
da face oculta na tela
a luz de um só dia
em pomba e deidade
anseia a espera de
uma noite carmim.

sebastião em san vicente nautec


em nautec os olhos
perparam através de
muro pomba divino

em nautec aguardam
pão foz e esperanças
ainda sobre o chapéu

distantes em nautec
santos e pedras desdém
moroso do dia de mortos

um ti, à brassaï


dorme contorno despido
linha vertical
já de sombras
grises fôrmas
anseio da espera
– vesperal –
anúncio dolente
herético pesar
de plumas
lembra, vívido,
teu corpo dobrando-se
aos sonhos de outra manhã
nos tempos

dorme contorno desnudo
linha horizontal
já de clarões
alvas formas
concretas demandas
– sazonal –
ação célere
sagrado pesar
de chumbos
é, vívida,
um corpo estendendo-se
aos dias de outro sonho
em finitude.

catacumbas de nadar


ossos ocos
oleiam auroras

tudo ao tempo
tenro passa

à sépia senescente
súlfur e odores

ossos outros
olaria de palavras

arma(dura) de andrè kertèsz


compõe-se à nu
o alarido de teclas,
forma e ferragem,
regra a realidade
dessas mãos, nuas:
montadas ao ledo
ensaio de sombras,
às forjas do olho.

olho de brassaï


noite, negra branca gris,
aos olhos, fremem gotas
de um já conhecido jardim,
as folhas todas enevoadas,
pigalle e as esquinas ulham:
descem às casas os seios
obscuros da cidade silente.

caminho de heidegger (1)



a meio passo da palavra
dor ventre pálida essência
em um caminho só névoa
consomem-se suspiros
sonho ante sonho câmara
v a z i a
solfejo ao tempo nu
sendo medo entre os corpos
mortos postados de silêncio
ainda as palavras tecem
alquebradas de naquim
aos olhos fervilhando
crepúsculo inpensado
ao olho perfaz o odor
m a ç ã
falta a imagem que sem
nadeia a coisa oca

da rasura e corpo


corpo saltando as formas de seu jardim
em ombros de casas, de telhas e calhas,
convergem, assim, sem um hálito alheio,
as cores de tâmaras e folhas de erva doce.

compete, no entanto, às vozes de ali
cantar um só canto – esse mesmo amor
e guerra mascarada – aos homens todos
revoltos e nostálgicos, conducentes e febris.

desnuda pois o seu desenho; em que desdenha
os prazeres de estar – lápis-lazúli e cedros –
entre corpos e pérolas, entre jamins de ela
e fortaleza de arcos. a vida toda que poderia,
vida essa que só almeja, à dança de cabelos,
vestimenta de outro, vertendo-se às folhas
delicadas, de olhos, na cor do tempo, na pele
ocre e café. ainda cala, o silêncio talha a pedra.

sábado, abril 25, 2009

zigurate



pedra ante pedra,
o marrom, dos olhos,
barro que relembra
as crias, fornalha
de inanna, fértil foz
em rios de pó e festejo,
conduz-nos às beiras,
ao caos em que mais
tábuas de cunha
ao que nos inscreve,
ainda sobre os cedros
e sob ares dos celestes:
trigo, batalha e agonia,
tripla escala, esfinge
derruída.

sexta-feira, abril 24, 2009

sijô noturno (à maneira de yi sáng)


si len te às mo ra das de ver me lho ou to nal ° as par cas so bre vo am os tem pos ne ves e to a das ° o e xí lio ar de em gol fos e ma res em bar ca dos ° es pe lham- me por is so as fron tes de ou tro tem po in ver so ° de coi sas ou tras re a li da des pó aos pés ° em que se ca va o du ro tra ba lho do dia fron do so ° tor res vi á veis mou ris cas e pa go des ain da no tur nas ° fer men ta das as vo zes de pás sa ros e ar bus tos ° de da mas de o cas vo ra gens lu a cla ra sob as á guas ° sor ri so de on das à né vo a ma ce ra da ° em ná car e nes gas de á gua e pó re vol to ° ga lhos tran qui los so ler tes que à ca sa re tor nam ° tu do tran si tó rio co mo ar e mar ° con lui o de mon ta nha e ce dro ví ve res bro tan do ° das ru í nas dos a bis mos o ho mem con si go ° à ca sa não tor na tu do ho ri zon te a lhu res das cos tas ° sem por tos sem na da : si lên cio aos len çóis ex ten sos

para assurbanipal, livros-pétreos

as tábuas em nínive, tendo-se
consumido, em barro, em cunes,
marcam-se de tempo, em espaço,
às margens de uma outra história,
essa também de viandante, loas
e danças, siduris machadas de vinha.

às margens da ponta do tigre, formas
e esfinges, ao rei e sua biblioteca –
pétrea de barros e versos – re-
côncava, narrando o reino detrás
das montanhas dos cedros – ao que
vence o aríete humbaba, fronte terrível –

em uma impiedade de desejos, sobre-
humanos, condizendo: morte em tudo
marca-se, o tempo das vestes, em peplos,
mais dura que face e as moscas de outrora –
de deuses, moradas nas águas, falanges
em intempéries, de fogos à bela ishtar.

assim, os velhos leões, em tarso,
encontram-se – comércios de verso –
ao que o pão é recompensa, ainda,
do longe, da foz, dos rios: ao que
não se levanta, ainda.

quarta-feira, abril 22, 2009

bósforos ou boğaziçi köprüsü



booz, touro maculado,
sustende-se frêmito,
estreita à ponte sub-
levada de ponta a
ponta: a nesga.

dali suspendem-se
minaretes e força
entoando, multíplice,
as falas – além – para
uma moabita pedra.

as águas de ali, concordam,
a ponte de fervor,
em bois e paragens,
mar mar rã e o negro
das sementes, ainda.

mehmet forja-se a um só
brilho – freme os olhos
de faetonte, precipitando-
se – às terras da pérsia;
num todo raio, etíopes

desertados, aquém de rute.
de seus dilúvios, fogos,
passante outromano
centro, à cidade-mosquée
bizância e grisverdade:

és lã, fronteira, alhures.

leveza


a prata desfeita
sob as orelhas
à margem de ares

a luz permeando
ainda o escuro
cerco de esfera

vela o corpo
de moedas e lã
que chama

veloz trigal
amarelas mantas
um só traço

o rosto desnudo
e as flores foscam
o mármore

o branco noturno
das pedras suspensas
em pluma e pulso

sexta-feira, abril 10, 2009

nostói na telemaquia

“a memória conta realmente – para os indivíduos, as coletividades, as civilizações – só se mantiver junto a marca do passado e o projeto do futuro, se permitir fazer sem esquecer aquilo que se pretendia fazer, tornar-se sem deixar de ser, ser sem deixar de tornar-se.” (italo calvino)

amorfos, os tempos apressam
chamar de hóspede aquele em
que lei e nome se confundem,
permeando-se numa não história.

amorfos, os homens todos garantem
corruptelas de serenas sereias,
silente-morosas, em que tudo negam,
em gris-rochas cavas, macilentas.

proteu retorna à narrativa, voltando
o tempo noutras parragens náuticas
e revela aqui que ainda deve permanecer
intato ao colo – já velho de penélope.

sem ceras e lótus, os companheiros
seguem, sobrevindo os filhos-reis,
os fios de ciclos, mourões espicaçados,
tentando a nostalgia experimentada:

à morte de argos, contínuo ninguém,
no fim todo desejo é perda. e se perde
a todo passado legado, em mais fios
e praias desoladas.

musical baker, para o chet


tempo e tempo para a lenta
fôrma. ar, respiro e fumaça:
pulmões, apenas conhecidos,
tomam na mão o ainda pronto;
ao chão, da janela, tomba o
corpo, soltos pistões em tubos,
laughable and cool, voz entre-
cortada de silêncios, noite de
sol e véus sobre os olhos, ainda.

toast to glenn gould


a throw of the gourds, your fingers,
boards and finger boards
on dices, black and white,
sound and silence, that dice

an elephant heart, glen without
throat – a glee party of mirrors –
or valley. hidden sure sores,
art and fugue – a stilly night,

on a gold whistle, mind wanderings
the wander time slowly spent.
that clavier, hood holds wood engravings,

on a sunbeam, seems a long day-
dream or a gleam less crap:
craps falling into the ground.

quarta-feira, abril 08, 2009

variações para glenn gould


"the purpose of art is not the release of a momentary ejection of adrenalin but is, rather, the gradual, lifelong construction of a state of wonder and serenity." (glenn gould)



glenn, vislumbre do nome, em
trinco de ponto e contraponto,
júbilo – glee – de teclas, ouro e
dados – lançados – sob a cabaça
sonora de chamar-te, ao piano,
com delicadeza claridade de
enormes dedos inflamados.

espera-se da fuga, em fuga sob
as tormentas, uma gradual percepção –
serena e cálida – de celeridade.
cantas ainda, em silêncio, o ar
eleito do instante em que se
escrevem as letras ainda não
presentes, ainda só ausência.

no ano de 1823, púchkin reminded


e, olhando altivo, com profundo
desprezo, a vida, ele não quis
abençoar nada em todo mundo. (aleksandr púchkin)



púchkin, desdenhando rouxinóis,
compõe num só traço a vida –
o que ainda esperar dela – espadas
e canções. homem ainda caído,
cinzas de amplos vazios, poros
e suor. da graça, desprezam-se
os feitos e as imagens todas dissi-
pação passamanes. um sonho,
de imenso, conluia-se nesse
inverno oitocentista ao nada,
o mundo torna-se, ainda vejo.

pau casals


corrente, entre cordas,
o som de silêncios graves,
canto de pássaros seus
restos rebatizam-se em
ventrell - ossos e ocells -
no ar de muitos vazios.
faz, por isso, cantar ao
que elege, d. sebastião,
sobre o tirso da madeira
talhada - aleja as fôrmas -
em que retornam teu presé-
pio de sons, sãos e cercanias.
o que se ouve calar nesses
paus que gemem? o que se
casa, em ais? sustém, aos olhos,
um ainda sentido ouvido e
me cala como pomo nos lábios,
narcisos brotando, abril.

terça-feira, abril 07, 2009

de repente


entre o que escrevo e falo,
as possíveis mãos ainda em
movência: experiências do
silêncio e do rastro, gasto.

cuidas do retorno que é, ele
também, lembrança do lar.
às mãos, cala o tempo noutra
noite, noutros ramos e flores.

sábado, abril 04, 2009

νέκυια


desce à casa, em fogo,
materna para ao fim
gozar de glórias, tristes,
frente à desfigurada face
da dor do povo.

preza, com isso, à toda
fronte - em fruto e flor -
que se conluia em cedro
pó e flama. às marcas,
tecidas, todas, permanecem.

hermes guiando os espectros,
gast de um hóspede,
conduz a paralaxe do
momento - lembra ainda,
fronte a todo tempo,
gasta - joelhos e mãos
sobre espinhos do pai -
no que não converte,
no que não se mantém.
precede assim o gosto
da morte - que não sendo
glória - mancha a mortalha,
essa também escrita.

quinta-feira, abril 02, 2009

ante a realidade


freme, boca vazia.
aos cálculos gris:
calêndulas, ouro e pó.

barba, bisão: falanges.
o homem tece o destino
do homem, que ouve.

à margem, os sabores
soam como flames:
refugiada manhã e sol.

quarta-feira, abril 01, 2009

arco, vida e lira (após heráclito)



tudo cala, nas horas de delfos,
frente ao tenso ar, que é vida,
e à morada de louros, corda e
cor, onde tudo cansa e canta:
vozeio ambíguo do tempo, ente.

tudo fala, nos dias em delfos,
atrás da máscara, que é lira,
e à travessia do homem, mar e
mazurca, em qual falange ou
gárgula, além do tempo, ser.

do mote drummondiano, memória e espéculo



rastejando o dia, como horas,
solfejam cinzas que já são pele
e nácar de rosas esculpidas.

calham-se, em pedra polida,
as fôrmas dissolutas do ritmo,
da voz: gorjeio de rastros, vôos.

intempérie e cristal, fonte gasta,
cisnes oscilam a retração, reflexo,
lembra a dança – tália – num elo só.

palavra põe à boca, fornalha dentada,
um tempo de memórias, riscos feitos
à mão do tempo, em um hoje, repleto.

memórias e aparências a partir de drummond


não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.

(carlos drummond de andrade)

segunda-feira, março 30, 2009

vida das palavras


silencias, ao som de ondas
e mexilhões, um corte - avil-
tado - nas nódas da memória:
na palavra, grisnevoando-se,
não cabe - o real - latências
de sobrevida. silêncio, o coro
cora ao adentrar, rododendros,
fazendo calar um ano, o palco
todo cego, negro óleo: tudo
só, abandono. silencias, ao
saber cálido de queijos, moro-
sas entranhas ao que calas.
mas um voz ainda perturba:
ter, em silêncio, que ouvir
sua própria língua.

sexta-feira, março 27, 2009

babel de doré


às mãos erguidas, a língua,
toda una, demove-se.
em variadas formas, ouve-se
ninguém ressoando: outis.
odisseu, fruto da sublime
canção de sereia, subleva-se.
ato e narrado: fôrmas da palavra,
bavelizando-se em um não dito.
concluio hespérico de cera e ar:
às cordas gastas, poderia naufragar.
sombras e táteis cerimônias,
o choro do herói, o canto silencia.
doré traçando gastos sortilégios
da palavra, sedução, hospeda-se.
o cimo toca o céu, às mãos do deus
sem nome, próprio nome, a língua
clama um ninguém, desértico, e
tomba.

ܕܵܪܘܲܐܙܲܐ ܕܥܵܐܫܬܲܪ



eu, em fonte ou vinha,

do pólen fremido às

horas de véspera, prenho

de grãos, ventos corruscados;

por ovas, aos corpos translu-

zentes: zôagría, à vida pede

peso, balança. ishtar banhada

em pedras de vidro, leões:

turquesas.


do eu que dali nasce brota

flor e cedro, às portas, imagens

e procissões: rememoração

dos princípios, da babélica

babilônia de outros deuses.

quinta-feira, março 26, 2009

apoteose de homero






arquelau espaça em mármore
a duração glauca do dáctilo:
a ira e o homem, entre os deuses.

glosa ao mote borgiano


lasso laço à forma do ver,
o que em mim nasce, des-
folha - em nada reparte -
mantém-se por viés.


lastro, tudo à beira, à
mágoa. nulificam tempos,
húmus plurais: ao que já
não era e que cá se vai.

lastra, à fonte nova, não
há perjuro - percurso -
tudo torna a ser, frequência:
fuligem amara, magenta, vir.

lassu tudo ainda percorre,
aos paradoxos, aos castelos,
meta de uma meta de fim:
transcreve a história, uni-
córdia, tapete ao grão vizir.

precursores

Borges disse, à maneira de mote:

“El hecho es que cada escritor crea a sus precursores. Su labor modifica nuestra concepción del pasado, como ha de modificar el futuro. En esta correlación nada importa la identidad o la pluralidad de los hombres."

quarta-feira, março 25, 2009

passeio, vistos à margem



voz ante voz:
calhada figura

uma dança sob
plátanos

a estrita escrita
anterior

hospeda-se um
perjuro

da imagem

terça-feira, março 24, 2009

maria flor


jaboti
acaba de nascer,
aos olhos doutra
negritude, ônix.

traz,
alegre, corada,
uns olhares
ainda ristes.

aos jardins,
em que povoa
toma, à sede,
nas mãos
o mundo, em
mudecidas
palavras.

fulgor gorjeado,
ao que tudo brinca,
canta e
cala
s u a v i d a d e
carmim.

safo parecendo-se...


ademais

o que se lê aos burgos
metaformoseia-se,
píramo tornado amora
tisbe suplicante em sombra.

cala o às vezes,

noturnos

memória

ainda, dos traços,
arranco, dum tranco,
os óleos do dia

ontem ainda, há,
de um só tempo,
margeando áloe

manhã, ainda dói,
corrompe os dias,
dum monte, assalto.

aprendendo poesia com oswald

Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi

retorno

entorno, frente à vida,
um desses outros, muitos,
copos de sua
avidez.

poeira leve, à casa dela
torno - outro nome
para ninguém,
nenhuma.

paragem marfim,
destelho as estrelas
soluçando: acende,
lidando.

maura manhã,
mútuo, mourisco.

quinta-feira, abril 17, 2008

BLOOMSDAY BSB 2008



2º BLOOMSDAY BSB 2008
pluriMONOlogos
comemoração festivo-poético-lítero-bebedeira
16. jun. 2008
seg., às 20h
Leitura dramática dos Monólogos Joycianos
Dança e Performance
Música e Literatura
realização
Ateliê de Literatura

segunda-feira, março 17, 2008

às vezes,
o silêncio
se sente
por entre
vigas e pó

escrito,
calando,
dorme
em vias
da boca

revolto à
casa,
carcomida
ventana
de lírios.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Literatura e a presença

É preciso, antes, entrever que a palavra literária é aquela que acaba de nascer. O presente moldado da escrita em que se ausenta a voz, o signo, faz emergir necessárias horas entre a treva – da letra impressa sobre o papel branco – e o silêncio, sibilante, das faces – disfarçadas – da linguagem imaginativa.
A literatura se faz sobretudo no momento em que se pode parar o dia, pois o texto, em estado poético, faz-se gravar no espaço e no tempo condicionado do salto súbito. O sujeito que a fabrica – lendo-a ou escrevendo-a – é antes aquele que optou pela ausência farta da imaginação: mundo real é mimetizado em busca de uma língua pura (reine Sprache) que revela o ser primeiro, a língua nominal de Adão. A literatura, assim, é antes recusa. Uma re-invenção do passado e do presente, uma re-visão do homem em sua transitoriedade.
O extremado século XX nos doou esta visão do homem temporal em duas figuras centrais: Freud e Heidegger. O sujeito moderno é cindido pela certeza do ‘para-morte’. A literatura torna-se, para concordar com Foucault, um “murmúrio sem fim”. Ruidosamente o texto segue se perfazendo em uma plurivocidade de “harmônicos” que busca pôr um novo véu sobre a fala do homem mecanizado, pragmático, rotineiro. O texto traz o estranho mais próximo, faz estranhar-se com o aquilo familiar, ou ainda, numa palavra freudiana, Unheimliche. Os sons das palavras – mudas por estarem fixadas como texto – desvelam a carência do ser, justo naquele ponto que falha a linguagem. Stefan George assim compreendeu, sensitivamente.
O texto literário – como mensagem verbal artística – compõe-se de uma simetria entre expressão e conteúdo. A chamada queda do eixo paradigmático sobre o eixo sintagmático da linguagem reflete os mecanismos de significação literária. A produção de multissignificação só é possível na medida em que se altera a grade sintática (a partir dos mecanismos de deslocamento de significantes) ao mesmo tempo em que a semântica (pelos processos de condensação significativa). Estes processos de alteração são geradores de linguagem nova (novidade estética). A literatura deve ser capaz de fornecer informação sem comunicação; informação por sensação da forma. Peirce: “O poeta faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos”.
A experiência literária é aquela que a morte pode marcar, inscrever. A certeza temporal das possibilidades hermenêuticas é confronto oximoresco com a imortalidade, com a atemporalidade do texto. A experiência literária então é uma questão do tempo produzindo diferenças; conduzindo o aspecto póstumo da escritura através do tempo (entendido enquanto mortalidade) e do espaço (percebido como distância ou intervalo da letra e da leitura).
A metáfora desse espaçamento temporal é evidentemente aquela que pode pretender a visão do livro como objeto da memória: Dante Alighieri escreve, em Vita nova, “em algum lugar do livro da minha memória”. O livro memorável intenta ao homem a reflexão do aspecto primevo, do conluio inicial entre caos e cosmos. Mallarmé o intentou – a partir dos mistérios das letras e da música – chamando-o ‘O Livro’, no qual todas as leituras fossem feitas, eternamente (em que há inclusive cálculos, diagramas, poucas palavras, abreviações, indicações de tom de voz, preço, vida média do francês finissecular). Os rastros de memória dirigindo (ou ‘digerindo’) a realidade da imagem da presença, eis um princípio basilar da linguagem literária.
A transparência ambígua do texto literário é antes uma pulsão para a morte, sublevação da imago. Basta à linguagem seu perpassar de passos, muito além da vileza de vida, a literatura encarna o exílio. O poeta faz do texto o algo translúcido, aquilo que falta ao cotidiano esmagado. O poema é, acima de tudo, um acontecimento trevoso em perigo. O relampejar deste perigo – que para Benjamin é a reminiscência histórica – é, poeticamente, a metamorfose da linguagem para encarar – mascaradamente – o abismo, além da fonte morosa da tradição. Abismado, o signo se pergunta o porquê das coisas: por que os frisos?
A escritura atira o homem no des-fundado, no abismo (averno tenso) em que Orfeu perde Eurídice. Esta, mero traço invisível do retrato estipulado pelas letras (e cordas) do poeta inicial. Esta ruína – a perda – é o extremo da experimentação, ponto impossível, em que além-túmulo, a morte ainda não sentida é realizada. Orfeu não consegue olhar o ponto nebuloso da finitude, pois o mesmo é origem concreta e além das palavras. Cantar, pela lira, é tentativa desta origem, mas não apaga tudo, resta a beleza. Apartados, os amantes são a própria existência literária enquanto mito: eterno desdobrar-se de significantes em queda na qual a aparição do existo (latino) torna a ser um ‘elevar-se para fora de’. A experiência do fora da ausência é, no texto literário, presença.