segunda-feira, março 30, 2009

vida das palavras


silencias, ao som de ondas
e mexilhões, um corte - avil-
tado - nas nódas da memória:
na palavra, grisnevoando-se,
não cabe - o real - latências
de sobrevida. silêncio, o coro
cora ao adentrar, rododendros,
fazendo calar um ano, o palco
todo cego, negro óleo: tudo
só, abandono. silencias, ao
saber cálido de queijos, moro-
sas entranhas ao que calas.
mas um voz ainda perturba:
ter, em silêncio, que ouvir
sua própria língua.

sexta-feira, março 27, 2009

babel de doré


às mãos erguidas, a língua,
toda una, demove-se.
em variadas formas, ouve-se
ninguém ressoando: outis.
odisseu, fruto da sublime
canção de sereia, subleva-se.
ato e narrado: fôrmas da palavra,
bavelizando-se em um não dito.
concluio hespérico de cera e ar:
às cordas gastas, poderia naufragar.
sombras e táteis cerimônias,
o choro do herói, o canto silencia.
doré traçando gastos sortilégios
da palavra, sedução, hospeda-se.
o cimo toca o céu, às mãos do deus
sem nome, próprio nome, a língua
clama um ninguém, desértico, e
tomba.

ܕܵܪܘܲܐܙܲܐ ܕܥܵܐܫܬܲܪ



eu, em fonte ou vinha,

do pólen fremido às

horas de véspera, prenho

de grãos, ventos corruscados;

por ovas, aos corpos translu-

zentes: zôagría, à vida pede

peso, balança. ishtar banhada

em pedras de vidro, leões:

turquesas.


do eu que dali nasce brota

flor e cedro, às portas, imagens

e procissões: rememoração

dos princípios, da babélica

babilônia de outros deuses.

quinta-feira, março 26, 2009

apoteose de homero






arquelau espaça em mármore
a duração glauca do dáctilo:
a ira e o homem, entre os deuses.

glosa ao mote borgiano


lasso laço à forma do ver,
o que em mim nasce, des-
folha - em nada reparte -
mantém-se por viés.


lastro, tudo à beira, à
mágoa. nulificam tempos,
húmus plurais: ao que já
não era e que cá se vai.

lastra, à fonte nova, não
há perjuro - percurso -
tudo torna a ser, frequência:
fuligem amara, magenta, vir.

lassu tudo ainda percorre,
aos paradoxos, aos castelos,
meta de uma meta de fim:
transcreve a história, uni-
córdia, tapete ao grão vizir.

precursores

Borges disse, à maneira de mote:

“El hecho es que cada escritor crea a sus precursores. Su labor modifica nuestra concepción del pasado, como ha de modificar el futuro. En esta correlación nada importa la identidad o la pluralidad de los hombres."

quarta-feira, março 25, 2009

passeio, vistos à margem



voz ante voz:
calhada figura

uma dança sob
plátanos

a estrita escrita
anterior

hospeda-se um
perjuro

da imagem

terça-feira, março 24, 2009

maria flor


jaboti
acaba de nascer,
aos olhos doutra
negritude, ônix.

traz,
alegre, corada,
uns olhares
ainda ristes.

aos jardins,
em que povoa
toma, à sede,
nas mãos
o mundo, em
mudecidas
palavras.

fulgor gorjeado,
ao que tudo brinca,
canta e
cala
s u a v i d a d e
carmim.

safo parecendo-se...


ademais

o que se lê aos burgos
metaformoseia-se,
píramo tornado amora
tisbe suplicante em sombra.

cala o às vezes,

noturnos

memória

ainda, dos traços,
arranco, dum tranco,
os óleos do dia

ontem ainda, há,
de um só tempo,
margeando áloe

manhã, ainda dói,
corrompe os dias,
dum monte, assalto.

aprendendo poesia com oswald

Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi

retorno

entorno, frente à vida,
um desses outros, muitos,
copos de sua
avidez.

poeira leve, à casa dela
torno - outro nome
para ninguém,
nenhuma.

paragem marfim,
destelho as estrelas
soluçando: acende,
lidando.

maura manhã,
mútuo, mourisco.

quinta-feira, abril 17, 2008

BLOOMSDAY BSB 2008



2º BLOOMSDAY BSB 2008
pluriMONOlogos
comemoração festivo-poético-lítero-bebedeira
16. jun. 2008
seg., às 20h
Leitura dramática dos Monólogos Joycianos
Dança e Performance
Música e Literatura
realização
Ateliê de Literatura

segunda-feira, março 17, 2008

às vezes,
o silêncio
se sente
por entre
vigas e pó

escrito,
calando,
dorme
em vias
da boca

revolto à
casa,
carcomida
ventana
de lírios.

segunda-feira, agosto 06, 2007

Literatura e a presença

É preciso, antes, entrever que a palavra literária é aquela que acaba de nascer. O presente moldado da escrita em que se ausenta a voz, o signo, faz emergir necessárias horas entre a treva – da letra impressa sobre o papel branco – e o silêncio, sibilante, das faces – disfarçadas – da linguagem imaginativa.
A literatura se faz sobretudo no momento em que se pode parar o dia, pois o texto, em estado poético, faz-se gravar no espaço e no tempo condicionado do salto súbito. O sujeito que a fabrica – lendo-a ou escrevendo-a – é antes aquele que optou pela ausência farta da imaginação: mundo real é mimetizado em busca de uma língua pura (reine Sprache) que revela o ser primeiro, a língua nominal de Adão. A literatura, assim, é antes recusa. Uma re-invenção do passado e do presente, uma re-visão do homem em sua transitoriedade.
O extremado século XX nos doou esta visão do homem temporal em duas figuras centrais: Freud e Heidegger. O sujeito moderno é cindido pela certeza do ‘para-morte’. A literatura torna-se, para concordar com Foucault, um “murmúrio sem fim”. Ruidosamente o texto segue se perfazendo em uma plurivocidade de “harmônicos” que busca pôr um novo véu sobre a fala do homem mecanizado, pragmático, rotineiro. O texto traz o estranho mais próximo, faz estranhar-se com o aquilo familiar, ou ainda, numa palavra freudiana, Unheimliche. Os sons das palavras – mudas por estarem fixadas como texto – desvelam a carência do ser, justo naquele ponto que falha a linguagem. Stefan George assim compreendeu, sensitivamente.
O texto literário – como mensagem verbal artística – compõe-se de uma simetria entre expressão e conteúdo. A chamada queda do eixo paradigmático sobre o eixo sintagmático da linguagem reflete os mecanismos de significação literária. A produção de multissignificação só é possível na medida em que se altera a grade sintática (a partir dos mecanismos de deslocamento de significantes) ao mesmo tempo em que a semântica (pelos processos de condensação significativa). Estes processos de alteração são geradores de linguagem nova (novidade estética). A literatura deve ser capaz de fornecer informação sem comunicação; informação por sensação da forma. Peirce: “O poeta faz linguagem para generalizar e regenerar sentimentos”.
A experiência literária é aquela que a morte pode marcar, inscrever. A certeza temporal das possibilidades hermenêuticas é confronto oximoresco com a imortalidade, com a atemporalidade do texto. A experiência literária então é uma questão do tempo produzindo diferenças; conduzindo o aspecto póstumo da escritura através do tempo (entendido enquanto mortalidade) e do espaço (percebido como distância ou intervalo da letra e da leitura).
A metáfora desse espaçamento temporal é evidentemente aquela que pode pretender a visão do livro como objeto da memória: Dante Alighieri escreve, em Vita nova, “em algum lugar do livro da minha memória”. O livro memorável intenta ao homem a reflexão do aspecto primevo, do conluio inicial entre caos e cosmos. Mallarmé o intentou – a partir dos mistérios das letras e da música – chamando-o ‘O Livro’, no qual todas as leituras fossem feitas, eternamente (em que há inclusive cálculos, diagramas, poucas palavras, abreviações, indicações de tom de voz, preço, vida média do francês finissecular). Os rastros de memória dirigindo (ou ‘digerindo’) a realidade da imagem da presença, eis um princípio basilar da linguagem literária.
A transparência ambígua do texto literário é antes uma pulsão para a morte, sublevação da imago. Basta à linguagem seu perpassar de passos, muito além da vileza de vida, a literatura encarna o exílio. O poeta faz do texto o algo translúcido, aquilo que falta ao cotidiano esmagado. O poema é, acima de tudo, um acontecimento trevoso em perigo. O relampejar deste perigo – que para Benjamin é a reminiscência histórica – é, poeticamente, a metamorfose da linguagem para encarar – mascaradamente – o abismo, além da fonte morosa da tradição. Abismado, o signo se pergunta o porquê das coisas: por que os frisos?
A escritura atira o homem no des-fundado, no abismo (averno tenso) em que Orfeu perde Eurídice. Esta, mero traço invisível do retrato estipulado pelas letras (e cordas) do poeta inicial. Esta ruína – a perda – é o extremo da experimentação, ponto impossível, em que além-túmulo, a morte ainda não sentida é realizada. Orfeu não consegue olhar o ponto nebuloso da finitude, pois o mesmo é origem concreta e além das palavras. Cantar, pela lira, é tentativa desta origem, mas não apaga tudo, resta a beleza. Apartados, os amantes são a própria existência literária enquanto mito: eterno desdobrar-se de significantes em queda na qual a aparição do existo (latino) torna a ser um ‘elevar-se para fora de’. A experiência do fora da ausência é, no texto literário, presença.

sexta-feira, outubro 13, 2006

apoteose de homero


rasa ilíon santa, corte
de hinos - espondeus -
multinavegados, assaz
fogosos: entre lotófagos
os versos ecoam em
delírio rubro, polifluente
mar, oinopa ponton,
umbigo da escritura ante
letra. lascas de seu busto
heróico-cego, falange
de pêlos odor do hálito
que enleia homens, à
desventura aquéia de
querer glória eterna:
oneiros ajustando o
canto, olor ilias.

contadas as naus, o busto
sobrevém em dolo: dem-
ência do demo, doidivã.
dos mirmidões à ébana
nau negra do astuto: linha
da história, meta-história
eneleada de amigos, hélas,
lendo os livros todos.
emerge, mago, desta bengal -
sustendo a mente, imago de
andros - e em dactilorróseas
linhas, horizonte solar, celebra
os cavalos celestes, célere
saindo do mar: corpo, natura-
morta de mulher: helena.

ENVOI

feito de flor, orvalho teu semblante
discurso se faz javista de linguagem
dor do povo, glóriaklêos, polýdakrus
teus simulacros todos reverberem
no portentoso leito, tálamos thalásseos,
murmurante suspiro do polifemo-ásneo,
kikléskousi, “chamando-me... ninguém”:
canta, hom, nesta nékuia que refulge a
psykhén kikléskon patroklêos deiloîo
clamor da psiquê, invocada da patrocléia
ira, astúcia: thýmos de melodia, verso
brocado, blúmeo viandante, em noturno
rio, invocando as lifféias salobras: canto
sereno de sereia: r é s.

múmias dos pântanos

inesperada pele
sobre os ossos,
gris, capeladas:

corda no pescoço:
gris, mas total-
mente composta.

de cócoras, pós-
julgamento, testa
límpida, enrugada.

nos pântanos, sem
preparo, o gorro
sobrevive ao tempo:

pés perfeitos, gris;
a anca, costelas e
pele; perfil, dante.

große fugue von beethoven

recupera os olhos, cabelos
revoltos, variação, vórtice
rememorante da natura

náutico abismo sobrevém:
naufrágio de pedras, andro
namorado em tríplice som

sonho dissonante, tons, loa.
soturno salto, violeta hybris
sonora, santeando, presto si.

sibilante fúria do não, em maior
silente allegro de cordas, daquel
si, surdo: sobrepuxa movimento.