Piero Eyben
Nota triste, forma triste. A declaração de
constitucionalidade na discussão acerca da redução da maioridade penal definida
hoje na Comissão da Câmara abre o caminho da barbárie e segue na contramão das
exigências mais centrais e importantes que precisaríamos tomar na atual
conjuntura político-policialesca do país. Desde o momento em que nos vimos
fraturados na representação por mais direitos, é aí que a forma mais escabrosa
de “política” mostrou-se e resolveu sair em busca de “seus direitos” (que no
fundo representam a manutenção do exclusivismo de elites, classes e castas). O
horror deste momento se iguala, em muito, ao que estamos tentando dizer da
inércia dos intelectuais (ditos de esquerda) em propor discussões que estejam
além dos velhos binarismos (corrupção/não-corrupção, PSDB/PT,
golpe/manifestação, democracia/totalitarismo, massa/elite). Digo isso porque
muitos desses representantes que poderiam, de fato, contribuir para o debate
sobre MAIS DIREITOS, se abstêm para simplesmente fazer críticas ao modo de
governabilidade que o PT tem implementado – o que precisa, é claro, ser
criticado e duramente criticado, mas que perdemos força quando se trata, por exemplo,
de unir movimentos sociais que são contrários à instalação do crime pelo
Estado, como é o caso evidente dessa proposta da PEC 171/93.
O papel agora (talvez como nunca) do intelectual é unir-se
aos manifestantes. Sermos uma massa contrária a subtração de direitos, que,
evidentemente, só atingirá os ainda mais pobres, os negros, os sem assistência
do Estado, em uma limpeza étnico-racial-e-de-classe. A proposta de
desmilitarizar a Polícia Militar, parte crucial para uma vida possível, agora
parece estar ainda mais longe, ainda mais assombrada pelo poder coercitivo e
correcional que esses deputados pensam ter (e, pior, responder a) sobre
população. Nossa discussão, que tem se rendido sempre ainda aos apelos da
grande mídia, deveria talvez desviar-se para um outro nível, deixando de lado
as implicações de fundo apenas eleitoreiro ou pior de uma rixa por territórios
de poder acadêmico (como supreendentemente alguns apresentaram “argumentos”
contrários à nomeação de Janine para o MEC). Perdemos e nos perdemos. Dizer
convenientemente apenas sobre a Lava Jato – quando há a Zelotes, o HSBC.
Dizer-se convenientemente contrário ao novo ministro por seu papel na CAPES ou
por simplesmente pertencer a essa ou aquela universidade (ou forma do
pensamento), é nos perder e deixar que percamos todo e qualquer embate por
direitos democráticos.
Estamos, sem dúvida, em um espaço de crise representativa,
em um espaço onde nossos corpos não mais aguentam os ideários da República
re-formada após a Ditadura. A necessidade da Reforma Política é urgente, assim
como é urgente a garantia de direito à vida (e o prosseguimento dela, sua
sobrevivência, no sentido grave). Seguimos na dura dimensão da legalidade e do
direito, de sua calculabilidade macabra, e esquecemos da justiça e do outro,
ali diante de nós. Diante dessa aprovação pelos espúrios, toda e qualquer
discussão torna-se ela também espúria, pois perdemos e continuaremos ainda a
perder. Vale a dupla citação de Drummond: primeiro, talvez, precisemos de
“entre as ruínas / outros homens surjam*, a face negra de pó e de pólvora” e,
ainda mais, a constatação de que “Ganhei (perdi) meu dia. / E baixa a coisa
fria / também chamada noite, e o frio ao frio / em bruma se entrelaça, num
suspiro”.
Às ruas, ao congresso, talvez para ganharmos o dia, entre
as ruínas de hoje, entre os espúrios que nos tornamos.
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* alterei o verbo para o texto. No original é “surgem”.
** foto Ike Bittencourt
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