domingo, fevereiro 27, 2011

nênia para benedito nunes

“os homens não começam a filosofar senão quando deles se apossa o thaumazein, incomum estranhamento admirativo do mundo e das coisas, reconhecido pela tradição platônico-aristotélica. condicionada afetivamente, e por esse motivo paixão do pensamento, a filosofia será também, na medida em que tenta compreender o irracional, pensamento da paixão.”
benedito nunes


há tempo de crivo e cravo:
o olho do homem, sobre as
barbas do homem. eis o drama,
corrói de dor e falanges a
fala, lóxias e clara, frente
e freme – de a escrita fazer-
se lança e ponta ao dorso
centeia.

à máquina todo pode,
sorrir-se entre a desde
razão de lançar-se, aí
teu ser, teu ensino –
constrange-nos a obscura,
a sã e douta imagem,
angústia e mãos, tecendo
lentas.

eis o papel do tempo,
as marcas devastadas,
de sol a solo, areia e
vento – passagens (o
weg o vago) – da natureza
voltar-se ao repouso, em
ti agora – tu fazes, e flui
em corpo.

e pólemos, calando-se,
dá-se à testemunha da
escrita, de vontade, assim,
pathos.            
  aquele que ensina pensar, passando-se ao poético.

sexta-feira, fevereiro 25, 2011

lethe: ὃ δὲ φρεσὶν ᾗσι χάρη καὶ ἐέλπετο νίκην **

“l’oubli, la mort: le détour sans conditions.le temps present de l’oubli délimite l’espace non limité où la mort retourne au défaut de présence. se tenir en ce point où la parole laisse se rassembler l’oubli en sa dispersion et l’oubli venir à la parole.”
maurice blanchot

 

(a)

folha de horas, teus véus, tuas pétalas:
em um só; esquecer o descarte, lançar-se
à mão do ato – há apenas sorriso na queda;
dedos arqueados, a boca pende, fenda e favo.

(b)

o branco aberto aos poros: encontro e enigma;
à parte, a cinza e barba: a fala dos seixos, o
nulo de ainda – um só sopro e a gralha de
legítimo mover-te, um beijo e a face.


(aa)

todo gerânio abrasado. em ferida,
calas o berço e o traço, a pena ex-
tinta. lar de nuvens, asas, as dás
do fuso sono talhado, murmuras.

(bb)

súbita, pele decomposta: a voz.
aguardas, da boca o mundo
flutua
um só estilhaço,
lâmina, ultimas.
           

** "rebrilhou-se no imo, à vitória, de esperas"
(hom. ilíada. c. xiii. v. 609)
(transelenizado por mim, tentativamente)

quarta-feira, fevereiro 23, 2011

palavra e avesso

“quando eu nasci
o silêncio foi aumentado”
manoel de barros



alta, a noite e seus
martírios: cediça
palavra, de frase e escape –
aguardas cansada o
bom termo, a folha e
seu motim – a escrita
e seus sulcos, de
véu
e memória.
     

terça-feira, fevereiro 22, 2011

terzinas de nome e sombra

das geschiriebene höhlt sich
paul celan


à mão dada, o cálice –
ninguém, à espera, deixa-se,
fome e fonte e achas.

um só molde, tens ao pó,
palavra e gris –
nada na direção do tempo.

claro o branco iroso,
cantas e esfolas teus sinos,
à pele, minha, dado o nome.

descansas, perto do escuro,
avisto e vis vilas –
a imagens, a nado de letras.

velas o tecido – amortecido –
brandindo,
candelabros, às varandas.
        

parergon

“da noite preta que me estende os ubres”
joaquim cardozo


esqueces a tarde, freme e frente,
um só amaro pelo –
às costas do mar, a urna deixada,
argos lançando-se ao mar.

doce a úlcera e o corpo, bolor à
casa, aos lenços e ao véu –
tu enches a frota – alto pensar –
enquanto de vinhático.

olhos descem, a tez de noite e
serpes – à vala, lacerada –
florem o tempo – só palpites:
abraças a face na janela da rua.

assim, falar, a fala de ti,
em lábio e carne, em lágrima
e voo. fulgor de falhas, a língua
que cala, um nome, que falta.
            

sexta-feira, fevereiro 04, 2011

corpo, voracidade


     
hospedas à casa, em silêncio,
calmo à carga, aos olhos de
palavra – lanças-te a casa –
a forma e o véu, seda escadaria:
acorda, tudo renda e rendição –
aguardo o outro, nada devoto,
pulso, enquanto afio a lâmpada
do tempo.
      

quarta-feira, fevereiro 02, 2011

orobô d’iemanjá (ao dois de fevereiro)

     

água e profundo, o corpo
de azul. aia e passo,
pernas sob
saia e choro do seio.
acorda dama, à casa da
rainha – mãe e festa –
nagô.
falas, em flor e pressente –
outra robusta aurora,
tempo de água, temor
do mar – aye – rodopia:
aiabá, tens o cesto e
brasa, acalmas.
no fundo, o silente.